quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Paixão de Janeiro


Quem será você, efêmera onda de beijos, de palavras e de olhares, que me deixou na ânsia do amor?!
Saiba que és alusão das minhas letras, lágrimas que minha ponte fabrica ao ouvir as músicas correlatas. É o desconforto do abraço rápido. O brilho nos olhos ao relembrar Janeiro. És o medo de não esquecer.
Me pergunto o que pode haver de errado. Nada é culpa sua, e você nem se quer percebe tal aflição. Mas, por que hei de ainda sentir algo que dilacera?!
Não era pra ter tamanho significado. É ilógico. Mas, sinto e só. Não sei o que quero, só sei que sinto.
Sinto o aperto, a nostalgia, a inveja inocente, o afastamento, o aperto ao relembrar o que poderia ter continuidade. Mergulhei de cabeça em teus beijos. És o princípio ou foi princípio?!
O fim foi declarado por mim, mas existe fim? E por que tais batimentos não cessam?
Andei te procurando em tudo. Nos rostos, nas chuvas, nos beijos em minha pele marcada. Mas, não passastes de umas poucas reflexões inspiradas. Até que pude ver nossos caminhos completamente separados, esquivados, apagados.
Por qual motivo não consigo te delatar de minhas linhas construídas com lamento?

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Silenciar

Apenas converso sozinho, pois o silêncio me ouve melhor, me ensina mais, me faz sentir forte e suaviza o que vai além de minhas paredes.
Isso não é coisa nova. Desde criança que os meus lábios batem instantaneamente. As paredes sempre me responderam com afeto.
Dizem que cada um tem a sua estimável loucura, só tenho a vontade de fazer arte enquanto estou isolado. Minha mente vai no passado e volta no futuro. Crio cenas, vejo letras, observo matérias que podem ser feitas por mim ou pelos que estão em torno.
Os meus dedos pincelam sonhos nos ventos, minhas lágrimas enfeitam as marcas que minha pele já carrega.
Talvez esteja destinado a sempre escrever. Fazer barulho na surdina do vento. Tenho me afastado de holofotes sem perceber.
Há pouco ainda enfrentava inúmeras expressões faciais com um microfone bem posto nas mãos como se estivesse num ofício sem igual. Era uma liderança boa de se cumprir, mas com o tempo me trouxe cansaço e comecei a inesperadamente ter fobia ao público.
Contudo o silêncio amigo, assistido pelo retorno ao teatro, me provou que foi mais uma fase. Eram muitas coisas acontecendo. Mudanças imediatas, imagens desfocadas.
Mas, quando vejo e repenso acerca de tudo que aconteceu nesses mais de 360 dias, me vem uma vontade louca de gritar, clamar justiça, desembocar o ódio pela nossa passividade. E tudo parece só mais um "Extra-Extra" proclamado por algum mudo, pois tudo se repete. Alguns episódios levam destaque, seja pela perplexidade, ou pela serenidade que venham a causar, mas é uma continuidade de fatos que não atingem a ação da massa.
E assim se aproximam outros dias, meses, mais um ano. Alguns esperam o fim, outros nada aguardam. Em meio a tanta crueldade, fome, inflação, politicagem nas três Américas, e o eterno natalismo* num mês que vem trazer reflexão inspiradora em final de ciclo, somente desejo fazer arte, tocar pessoas, caminhar firme e silenciar. Silenciar como as plantas. Talvez o mundo precise disso: silenciar. Atrair a calmaria, a concórdia e a harmonia, pois no natal ou em Carnaval, a esperança de melhores horas e de tempos menos sombrios revive igual tradição milenar, é surpreendentemente intacta.

*Neologismo, feito por mim na crônica de mesmo nome postada aqui um ano atrás. Combinação entre os termos "natal" e "capitalismo".

domingo, 14 de dezembro de 2008

Monólogo da Saudade

Tudo tá confuso? Tudo está prestes a explodir?
Fui eu quem viu a vespa morrer na florescente. Sozinhos meus olhos se fizeram estátuas. Suas asinhas descoloridas tocavam na luz, ela trucidava-se no calor.
E eu? Eu estava na parede ao canto, lembrando do amor efêmero, dos que se foram sem meu adeus, do dia em que ali naquele mesmo canto o álcool do perfume bateu nas minhas amígdalas secas, quando a velha e áspera faca mostrou meu reflexo agoniado.
O que me falta? -Nada! Gritaram os fantasmas da voz. São apenas os medos,angústias e aflições.
Escondo meu crânio em baixo do travesseiro e realizo minhas preces. Tenho confiança em Deus. O sorriso de minha pequena, os olhares de meus pais, as falas de meus irmãos e os ombros dos amigos com o colo de amor me trazem sossego.
Me sento e destrincho as minhas memórias. Das conversas com as plantas e vidraças nunca quebradas, das paixões de juventude à solitude no banheiro, da coreografia como anjo em pastoril aos aplausos e ignoradas nos remotos episódios gremistas, das torturas no escuro até a arrogância sentinela, dos vôos na lama, rua, alcova e nuvens à austera solidão, dos momentos rebeldes às alegrias das vitórias.
Foi então que lembrei do dia em que deixei a morte acontecer. Iria para aquele ônibus de todo jeito, mas só tomei ação quando já fora tardia: o cãozinho já estava esmagado. Tinha 11 anos, mas ele não teve nem 11 dias. Eu podia ao menos desligar a luz, fazer com que a vespa morresse sem calor. Mas, o que sente uma vespa? Faz questão do frio como eu? Sai de um casulo que nem as mariposas?
Há momentos que minhas veias e artérias batem tanto, meu coração lateja tanto, que parece que no "beat" seguinte vai parar. É igual a essas linhas, parece que vou morrer quando der o ponto final. Mas, quem morre é a vespa.
Quero viver. Não anseio pelo "Lago Michigan" e as pronúncias fúnebres de Brecht para com aquela pobre e singela puta. Desejo voar alto, perdoar, respeitar, vencer. Amar sem restrições algébricas, sem gramática perfeita, sem comprovação histórica. Apenas amar, mergulhar no alvorecer de meus sonhos, acender as lamparinas da esperança, afastar a escuridão e ser diferente do que tenho sido.
E assim seguir como vespas e cães vivos: saborear as cores múltiplas fora da norma padrão e contexto inerte, mas viver. Seguir em marcha firme com minha transparência e gana, com meus gostos e repugnâncias, sorrisos e lágrimas, vilões e heróis, dramáticos e cômicos, cronicas e argumentos, pois eu ainda tenho dezessete.
E eu já tenho dezessete.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Só mais um Prólogo

Esta sensação dilacera. Às vezes é mais angustiadora que a melancolia da saudade da infância inocente. Não se trata da tamanha dor de quem carrega um peso contra o julgamento quase unânime e sórdido, mas sim do medo de cair, medo de ter perdido o controle das próprias ações, medo de ironias do destino, medo de ter se deixado levar em vão.
Fico deitado no escuro fazendo uma prece e a música consoladorada se propaga nos ambientes em volume máximo.
Adentro numa festa underground e me coloco a buscar a tecelagem de minha teia, descendo e subindo num elevador minúsculo e arcaico, tão velho quanto a dinastia do desprezo, mas que me possibilita encostar minha cabeça em seu ferro gélido e crú para pausar as pertubações da alma. É logo que no segundo pavimento, dou de cara numa convidativa janela. Ali, como numa amplitude teatral, eu olhava paulatinamente a rua das ilusões e suas poças de chuva em seu asfalto histórico. E as árvores aplaudiam minhas lágrimas mornas que surgiam feito ondas de água doce: praticamente imperceptíveis. Era uma enchurrada de gotas presas, ao som de algum seguidor de Mr Presley.
Mas, as árvores deixam de ser platéia, sacudidas pelo ar frio ao tempo que as paredes querem dilacerar minha carne no chão maestroso do Recife Velho.
Contudo, um alguém com aroma de cevada me dá um abraço, e um laço se cria. Não me conhece, não sabe o que pode se passar, mas me dirige palavras que o diabo não pode morder.
E me recordo do dia de sol que andei transtornado entre os corpos e carros da redenção de Santo Amaro, onde os ventos embarcaram meu olhar na parede interna de um simples boteco que trazia o letreiro: "Deus está no comando de tudo".
Caiu como um alívio imediato. Porém é fato que as horas e o despertar de pesadelos incógnitos, retrazem as sensações cruéis branco-e-preto.
Olho ao chão e vejo o cafuso varrer rispidamente a lama que reflete o meu olhar seco, e acabo desejando ser lavado, tocado pela luz desconhecida, criacionista, pelo mar em vida plena.
É na alvorada da lua, com os pássaros gritando piedade, que a eterna luta se segue na marcha solitária e bravante, pois a luta mais árdua é contra si próprio.
02h46 30/11/08.

domingo, 30 de novembro de 2008

Mariposas Enamoradas

Já me descrevia como mariposa que queria fugir do casulo modelar sem se quer cogitar que uma outra mariposa me traria claridade...
Você resgatou minhas sensações do abismo chamado coração das mariposas. E foi através das "Mariposas Suicidas" que eu te vi: toda aquela magia figurada, aquela cartase sobre o Amor ficou presa em meu olhar e palavras por longos dias. Até que numa noite inspiradora, com a luz em minha face, eu me desprendia da neutralidade e caia no estranhamento a professar em melodia ríspida que "ele se revela uma farsa" e movimentando levemente minha cabeça te encontrei em expressão sólida na primeira cadeira à direita. Assim, após juntar-me a um coro operário e cantar que "estranhem o que não for estranho" e sentar pra um debate semanal sobre musicalidade, quarta parede e até socialização dos preconceitos, com tantas caras e palavras, eu estava sentado de frente a ti, e pude sem a mínima malícia perceber os teus traços e cores.
E adiante, horas depois de ver Os Cegos perderem uma luta conta a Morte e tocarem de maneira considerável a minha alma, te reencontrei inúmeras vezes. Te tocava com os olhos, trocava palavras breves e trêmulas. E em pessoas que piscam, acabei por te beijar, e não conseguia ouvir mais a batida explosiva que caracterizava aquele ambiente, nem sentia os esbarros propositais.
Quase oito semanas depois, você me retirou da fechadura e me fez alavanca com seu sorriso explendido. O teu toque é capaz de apagar minha angústia. Tua pronúncia retoca a minha pele. Os teus beijos saciam minhas ânsias. Me anestesias por inteiro. Você parece que veio de uma caverna distante. Talvez de Londres, Pittsburg, Blumenal ou Liver Pool, arrisco dizer que tenhas vindo de Tácito pra me recolocar voz com tua luz, e quem sabe pra me trazer o conforto de poder amar.
És parte de minha fantasia real, natureza total dos meus pensamentos e o motivo pelo qual exigo que me expulsem do labirinto da solidão.
Então, só peço que continueis em minhas páginas, minha mariposa iluminada!
03h14. 30/11.

sábado, 8 de novembro de 2008

Incomum

"Que belo estranho dia pra se ter alegria!"
Lula Queiroga

Hoje o sol resplandeceu em minha face um sorriso enamorado, tudo está numa neutralidade harmônica.
Hoje, o infortúnio trânsito do Derby não irá me constranger. A poluição visual das propagandas politiqueiras que ainda sujam algumas faixadas e calçadas da cidade nem irão me irritar. Nem se quer o imperialismo do consumo me vitimará. O genocídio declarado da pureza será ofuscado.
Pois hoje, a noite resplandecerá numa aquarela florida de amor. Os palcos irão insinuar a todo mundo como deve soar a arte. Flamingos, Araras-Azuis, Curiós e Onças-Pintadas entoarão um coro maestroso em plena Amazônica contra a extinção.
Hoje, alternativo e convencional se unirão como nunca antes, fazendo com que a tolerância ganhe significado real. O subúrbio terá alcançada sua suntuosidade e os homens de rua encantarão com graça e sensibilidade.
As avenidas estarão cobertas por folhas secas e as praias límpidas em brisa plena.
Ondas de inquietação provocarão o progresso pelos sindicatos e prédios.
Teatros e cinemas se encontrarão repletos com a magia da juventude outrora inerte.
Os automóveis serão largados nas garagens e as pessoas enfeitarão a cidade com olhares.
Hoje, a dita irremediável violência será ofuscada pela luz. Os rios fluirão em brilho eterno.
Corpos garbosos e rostinhos perfeitos sumirão da televisão. O dom será algo quase palpável e sensitivo.
Os jardins cantarão hinos de felicidade e os boêmios chegarão a proclamar a independência matinal.
Não enxergaremos a fome nas calçadas, nem ouviremos as balelas brasilienses. Sentiremos coletivamente a pureza do verde, e as cabeças quase sempre surtadas serão aliviadas pelo toque infantil.
Os jornais divulgarão os conceitos introspectivos. A filosofia transcenderá na mentalidade da famigerada massa, que descartará a mídia.
Nas beiradas dos manguezais a lama traduzirá inspiração recifense e até os mais capitalistas se renderão à embolada multicultural.
Em mais alto tom os anciões expressarão suas inquietudes. Professores estamparão sorrisos brados.
Mas, é na mais alta entonação desta melodia perfeita, que o som falha. Meninas estão sendo mortas em seqüestros televisionados. Farsas musicais voltaram ao topo de nossas paradas. Meninos brasileiros estão virando seriais Killers. Palhaços de terno retornaram ao poder com a aprovação da massa. E estão mudando a estruturação de nossa língua enquanto crianças são mortas nas chacinas. Homossexuais regrediram aos guetos e o invisível apartheid retornou ao cotidiano.
Contudo, é em meio à nossa esplêndida balbúrdia que o samba de Roberta* semeia sua mensagem em nossos cinco cantos fazendo com que a esperança brote em poucos, mas se faça presente ao menos neste escrito de quem clama por misericórdia individual.

*Roberta Sá, intérprete da música em epígrafe, “Belo e Estranho dia de Amanhã”, composta pelo pernambucano Lula Queiroga.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Dias Vazios

Estava a pensar nas palavras que melhor refletissem a trilha pela Serra Negra com toda a sua ambiguidade e suavidade dos olhares platônicos e diálogo curto com aquela paixão de adolescência de cabelos enrolados e sorriso doce.
Mas, os últimos dias, em que apenas os minutos de atuação me fazem sentir vida, venho descrever acerca do elo depressivo que obtenho.
A guriazinha de alma pura, que em nossa infância católica jamais imaginaríamos nos reencontrar em uma certa Garagem das Ilusões após um rock alternativo de janeiro, adentrou em meu terraço exatamente no instante em que meus dedos trêmulos seguravam a chave com o intuito de ir em busca deste ombro amigo condicional.
Iniciamos assim nossa conversa aliviadora em nossos olhares fraternais que falam bem mais que os murmúrios das sextas-feiras habituais. E ela começou a derramar lágrimas expressivamente belas por sua face caucasiana e frágil. Sem ousar em bater minhas pálpebras eu ouvia o relato de seus dias, que a mesma descreveu como vazios, e inesperadamente apreendia através de seus lábios o relato de meus próprios dias. Sim! Eu e ela, Elilson e Carla, estávamos num estado equivalente.
Assim, após nos abraçarmos e dedicarmos uma prosa acerca da política, eu fui buscar consolo numa noite dançante, mas é grande fato que odeio a efemeridade das noites, estas que não deixam brechas a constituirmos se quer uma paixão pelas bocas e mãos que usufruírmos em carência e beijos ardentes.
No dia seguinte, fui acordado pelo toque daquela mão amiga em minha face. Saímos em uma trajetória curta e bastante significativa. Fomos pela primeira vez exercer a nossa voz nas urnas e depois seguimos até a magia inspiradora do Recife Antigo dominical, com os pombos enfeitando o Arsenal, o vento acariciando os prédios e o vinho embalando a pronúncia saudosa das palavras que relembravam os amores inacabados e as experiências amargas e dúbias.
Foi então que ressoaram em meus ouvidos os melódicos aplausos que os Operários que Lêem haviam recebido naquelas performances Brechtianas e senti uma força artística em seguir em frente.
Contudo, olhei ao horizonte entardecido de incertezas e receios, e acabei por concluir que sou como a raposa de O Pequeno Príncipe, logo ainda não fui cativado.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Ética Informacional

A utilização da internet já é algo globalizado nas necessidades básicas dos que têm acesso à rede. Segundo dados das Nações Unidas em 1997 o número de internautas era de 70 milhões enquanto em 2007 ultrapassou a marca dos 1200 milhões.
O grande número percentual desse exorbitante contexto de uso corresponde as crianças e adolescentes. Tão clara quanto essa porcentagem é a enorme ocorrência de crimes na rede. Transações de assaltos, pedofilia, racismo, homofobia e a ação dos hackers são frequências alarmantes, inclusive nos sites de relacionamento, como o ORKUT, favorito predominantemente pelos menores de idade.
Diante de tais fatos é evidente que crianças e jovens são os mais inerentes em toda essa rede de criminalidade. Se não bastasse, nos últimos anos, entraram em ascenção páginas na web que incentivam o suicídio. No Brasil, isto ficou evidente através da morte de um menor sudestino usuário do site "suicidio.com".
Segundo os especialistas a grande decorrência de abusos contra menores internautas é basicamente a falta de leis específicas e além disso sobretudo a inércia dos pais que na maioria não controlam ou mesmo acompanham seus filhos no mundo virtual.
Concluo, sob meu ponto de vista, que a diminuição destes rotineiros abusos devem partir de uma estruturação moral iniciante da integração dos pais fiscalizando seus filhos na rede, atigindo a estabilidade de uma ética informacional, pois os menores internautas de hoje podem ser os criminosos cibernéticos do futuro.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Equilíbrio Despossuído

As pressões populares querem me aprisionar numa caixa seguradamente trancada.
Sinto-me num tabuleiro de xadrez. Ora tenho a garbosidade de um rei. Ora transpareço a fortaleza exímia de uma torre, mas inesperadamente sou um solitário peão, aspirando respostas e exprimindo inquietações à deriva.
Minha mente tem retornado ao estado de transe. Às vezes só é dessa maneira confusa que consigo imaginar um equilíbrio.
E assim, na tarde passada, eu caminhei sem rumo nesta caótica cidade. Eu necessitava apreender algo inusitado, mas preciso. Queria poder enxergar, quem sabe, o sorriso de um vegetal ou ansiar afeto nos olhares ao redor. Mas, nessa cidade linda e cinza, as pessoas perdem cada vez mais a essência do cotidiano social: o olhar. As pessoas não se olham mais. Estão sempre com pressa buscando uma fuga sem limites, sem diretrizes e certamente sem certezas.
Talvez ainda, eu quisesse ter o meu trabalho físico calculado para assim as forças contrárias que atuam em meu corpo serem anuladas e reconstituídas sob uma luz específica e sensata.
O fato é que ao caminhar entre carros, animais, esbarros, propagandas políticas e seus sorrisos equivocados, eu cheguei ao Marco Zero da cidade. Ali eu me coloquei na margem. Sentei numa elevação do asfalto que ao ritmo feito pelos automóveis que transitam sem pausas naquela curva serena, me possibilitava uma visão privilegiada do nada.
Foram minutos válidos. Identifiquei-me com a ambigüidade dos mendigos, com os traços das pinturas e com o aroma da erva que estava perto de meus solados. Fechava e abria as minhas pálpebras calmamente. E despercebido por tudo me encontrava. Levantei levemente o meu pescoço e pude sentir a pintura que as aves faziam no céu escuro.
Tenho me colocado a pensar no dia em que tudo poderá explodir de vez. Vejo claramente que não terei um casulo remediador pra me abrigar, entretanto apenas será uma fase. Afinal, a vida é uma eterna escalada onde os degraus são feitos de mudanças, complexidade e nostalgia.
Ainda olhava ao firmamento quando a minha neutralidade foi quebrada por uma infeliz e insensata paródia musical de um certo candidato que poluía sem medidas os tantos cantos daquele Marco.
Assim, naquela tarde de sorriso quebrado, lembrei que Brecht* invade minha atuação e me faz professar que me encontro entre os despossuídos. Levantei-me de supetão e corri ao ponto aguardando que um novo amor numa poesia expressiva me recoloque dentre os seres de voz.

*Bertolt Brecht, teatrólogo e escritor alemão. Referência de sua poesia "Expulso por um Bom Motivo".

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Rotina Sertaneja

Naquela manhã dominical escaldante eles se reuniram na estação de ônibus. Já era habitual. Semanalmente alguns habitantes de Água Preta iam em busca da capital.
Anciões, adultos, crianças...todos eram retirantes. Eles largavam sua terra, suas histórias, seus amores, e nesta nostalgia complexa, as condições sócio-naturais os obrigavam a se arriscarem na busca esperançosa de um futuro mais digno e feliz.
De longe, sentado numa cadeira de couro, um nobre artista observava sensivelmente os sete retirantes daquele domingo. Uma velhinha sentada numa cadeira marrom, segurava um terço vermelho enquanto o suor escorria em sua testa. Três lavadeiras locais aguardavam angustiosamente o coletivo. Haviam também dois anciões. Um deles, de camisa azul listrada, apresentava uma expressão fleumática, fria. O outro, acompanhado de um cãozinho abatido, sorria ao sabor do vento.
Dias depois, longe dali em Caruaru, um certo Vitalino que minuciosamente observou com lamento a retirada naquele outro município, se pôs a lembrar os efêmeros minutos antes da chegada do coletivo, e retratou através de sua arte singular e espositivista o sofrimento daquelas vidas hoje perdidas entre prédios e "humanos".

sábado, 30 de agosto de 2008

Liberdade Egoísta

Eu era mais ilibado que o báculo de uma briófita. Era mais inocente que as gotas de água que escorrem nas asas das borboletas. E eu era tão passivo de voz quanto um peixe sendo torturado num anzol.
Era assim quando fui morto.
Minha mãe era uma menina branca exuberante, mas escancaradamente irresponsável e cruel.
Meu pai foi um jovem rico qualquer, ele era o tipo de pessoa que é incapaz de se constranger ao ver um idoso agredido, por exemplo.
E sem me darem uma chance de gritar, uma oportunidade de inspirar, tampouco uma alternativa de luz, eles me assassinaram.
Me sufocaram sem o mínimo pudor. Toda aquela pachorra era desesperadora. Eu queria ao menos sussurar piedade, mas nem isso pude.
Eles permitiram que me esquartejassem vivo. E naquele silêncio obscuro eu morria sem viver. Arrancaram meus membros um por um. A dor foi o único sentimento que obti. Mas, a pior parte, sem dúvidas foi o desfecho daquele ritual satânico: foi quando senti a última dor: eles explodiram o meu crânio.
Não consigo compreender tanto desamor. Por que nem gritar eu pude na hora em que fui assassinado?! Por que ninguém me salvou?! Por que fui torturado em nome desta liberdade egoísta?!
Aqui, nesta outra dimensão, junto-me aos outros tantos milhões que padeceram desta mesma asquerosa e horrenda crueldade sem limites.
E, é em nome de todos, que invado os teus sonhos noturnos e te peço humildemente que levanteis a tua voz e as tuas mãos contra o aborto!

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Manifesto ao Lema!

"Educação é vida no sentido mais autêntico da palavra" Anísio Teixeira.

Educação: eis a base da normalidade, do desenvolvimento, da vida! Ao menos este deveria ser um contexto real, mas na prática nossas vistas alcançam imagens que distorcem completamente essa quase utopia.
Nesses meus 16 anos de vida, dos quais 14 gozo da formação escolar, busco arduamente a compreensão- ou melhor- o sentido sócio-real do "Ordem e Progresso" que tremula em nossa bandeira brasileira 86.400 segundos diariamente.
Sim! Pois ao perceber que nesta nação a necessária e natural base cidadã é colocada numa margem de um rio quase inatingível, anseio em encontrar tal Ordem e expresso Progresso.
Em meu viver, quando sinto a ceteza do futuro, sei que obtenho através da educação que adquiro. Contudo, ao mesmo (e efêmero) tempo que viajo em vôos alcansáveis, flerto amargamente ao detectar aqueles que vivem à margem, cruxificados e flagelados pelo cruel sistema. São jovens, crianças que perdem a inocência, a expectativa de vida. São jovens de minha idade, mas separados por um abismo aparentemente sem possibilidade de passagem.
Ao mencionar tais jovens, lembro-me da famigerada frase que ouço desde os primórdios de minha formação: "Crianças e jovens são a esperança de futuro do país". Mas, como há futuro sem educação?! E sem falar que, neste exato momento, inúmeros frutos que deveriam florescer e representar tal esperança estão perdidos em vielas, sendo dilacerados por nosso insensível viver.
A educação é o caminho de possível amenizamento deste silêncio mortal que duramente caracteriza nossa moradia global. Se todos já sabem disto, por que não fazem algo?!
Quando nossa reflexão não encontra respostas para marmas inquietações, tendemos a querer encontrar no passado. O que teria causado a problemática na educação? Será que há 30, 40 anos as escolas eram tão desestruturadas? Professores recebiam amplos socos de ignorância? A boa educação já era algo tão restrito? Mas, a história não me deixa tudo às claras. É então que a filosofia me declara a máxima de Immanuel Kant: "A educação é o maior e mais difícil problema imposto ao homem". Talvez... Mas como, se é a solução digna para citados problemas?!
É nesse ponto que olho ao meu redor e percebo de maneira quse palpável a tremenda inércia do povo brasileiro: isto a história me mostra claramente. Se não fôssemos cidadãos tão paralisados, é possível que tivéssemos educação propriamente dita há tempos, bem como, é evidente que nomeada inércia é herança dos que vieram antes, como profundamente gritava Elis Regina em "Como os Nossos Pais".
Porém, existe cidadania sem educação? Se cidadania é a condição de ser cidadão, obviamente existe mediante à educação. Cidadania é vida e vida é crescimento, que é reflexo da educação como, sabiamente e categoricamente, afirmou o escritor fluminense, Anísio Teixeira, em sua frase utilizada aqui como epígrafe.
É, por isso tudo, que eu surrealmente gostaria que o nosso lema nacional se personificasse em algo sensitivo, que ouvisse tal manifesto de jovem educando e pudesse atender respostas. Pois, se o próprio "Aurélio" afirma que Progresso é uma marcha para frente e que Ordem é uma disposição conveniente de meios para se obterem fins, e se minha razão compreende que o fundamental para tal marcha e obtenção de fins é um meio que alicerça o mundo denominado Educação, não "aceito" arcaico e positivista lema!
Contudo, mesmo sabendo que não é garantia a todos, sinto-me 'firme' já que a educação em minha vida está assegurando-me uma cidadania a ser exercitada e quem sabe plena...
Concluo que nossa "Pátria mãe gentil" terá um significado racionalista de seu lema quando suas edificações tiverem como base sólida a educação. Mas essa evolução deve partir de uma junção nacional, pois educar é um ato envolvente que requer a participação ativa de todos nós.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Dor.

De alguma forma eu queria manter esse episódio fora do alcance, trancado em minhas memórias, preso em minhas teias obscuras...Mas sei que ainda tenho muito a aprender com tal fato.
Aquela imagem do jovem no auge da vida em um caixão recriaram forças em minha mente nos últimos dias. Fazem três anos.
Na época, lembro-me bem, eu queria agir naturalmente, disfarçar o susto, o certo remoço e apontuada perplexidade.
O vale sombrio das lágrimas que escorrem de meus olhos relatam os momentos trancafiados em meu próprio buraco negro, e me levam a lamentar o não feito. Hoje me encontro a refletir as dores e as necessidades que ele tinha. Chego a conclusão que eu poderia, que nós poderiamos, preencher de luz as trevas em que ele declaradamente vivia.
Eu, filho mais novo, cresci criando distâncias com este irmão por parte de pai que tanto eu via, que tanto nos queria como verdadeiros irmãos, que tanto anseiava por nosso abraço fraterno, que tanto pedia a presença de um pai.
Contudo, em 6 de agosto de 2005, enquanto eu, minha mãe e meu irmão falávamos alegres acerca dos 9 meses de gestação de minha irmã, em uma casa no mesmo bairro, uma mãe e uma avó gritavam em tamanha dor a morte auto-premeditada.
Foi então que os murmúrios no bairro chegaram em nossa porta: o primeiro filho de nosso pai, nosso irmão, sangue de nosso sangue decidiu finalizar suas horas. Ele pôs lençóis em seu pescoço e se atirou de uma cadeira. Silenciamos o restante do dia. A pessoa que mais sentia, ironicamente, era minha mãe: mulher que não tinha elo biológico com aquela criatura, mas mantinha um laço afetivo com aquele enteado incompreendido por todos.
Tento repensar os porquês daquela barreira familiar, daquele abismo fraternal, mas não há mais o que fazer, o que pensar.
E como nunca pensei que conseguiria expôr uma breve reflexão acerca deste suicídio familiar, só me resta fazer uma humilde preçe...

"Fábio,
espero que encontres luz onde estiveres agora. Os limites do viver não nos permitem a comunicação. Mas, quero dizer-te que aguardo o dia em que todos poderemos nos encontrar do outro lado. Hoje compreendo um pouco teus aflitos, a vida é uma caixa enigmática. Embora que não tivemos uma construção de laços, você fez parte de minha vida, de nossa vida...E tua morte não foi algo em vão, mas um capítulo, que embora sombrio, faz com que, além do aperto no peito que sinto agora, eu amadureça infinitamente.
Bençãos em tua alma irmão meu que nunca me permiti ter...
Sinceramente e fraternalmente, Elilson."

domingo, 3 de agosto de 2008

Notas Vagas

Você marcou minha alma como um bicho geográfico e quase me deixei ser devorado por completo.
Até pouco tempo ainda bebia as últimas gotas dessa paixão infame. Pois eu anseiava ressentir teu sorriso, repensar o sabor de teus beijos e quem sabe mergulhar em caminhos mútuos. Mas a realidade me declara que não quebraremos novamente a barreira dos limites.
Te vejo feliz e sinto uma alegria confusa. E enquanto eu torço por vocês, estou me dando uma chance de ser feliz.
Emplantastes em mim a inocência de teu veneno, e eu, talvez, não tenha deixado nem uma marca relevante em teu ser.
Este sentimento é um despautério iluminado. Mesmo com toda certeza de que um ponto final foi dado, ouso em querer vírgulas e ainda guardo a caixinha branca como me pedistes.
Nesse romantismo efêmero eu despejo meu estado atual, pois a mão que pronuncia tais palavras é a mesma que une os laços. Os lábios que silenciam as dores são os mesmos que provam da tentação. As pernas que caminham nas ruas são as mesmas que compõem a marcha solitária. Os olhos que encantam horrores são os mesmos que destroem amores.
E o canto que embala a serenata de risos é o mesmo que se recolhe no escuro a cantarolar o pranto das coisas.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Sobre Castelos Sociais

Aquela tarde radiava um céu nublado e misterioso. Ríamos sem parar!
As taças de vinho nos levavam a sentir uma maioridade livre.
Os bilhetes de amizade trocados em guardanapos.
O alternativo estava ambientado.
Mas, na esquina defronte, uma menina gemia a vida.
Lamentava o tracejar dos ventos.
Em seu castelinho imaginário ela idealizava um círculo cromático: as cores que lhe trouxessem vida, que lhe trouxessem um pouco de luz.
Uma vida que significasse mudança, que viesse a ter um sabor que seu paladar até então desconhecera.
E ali, no relento, ao ver o gozo coletivo no castelinho marrom, suas chagas roxas em sua pele descancarada de vermelho-vida, deixavam evidente a quem entoasse um mínimo olhar que o único desejo daquela nobre vida em sua tela atual, era de ter uma cama.
Uma cama onde pudesse descansar a vida. Onde pudesse aliviar os pesadelos. Onde pudesse relaxar sua fleumática infância. E, enfim, onde viesse a gozar de mínima e inédita dignidade.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Celebrando a Conformidade.

Eu ainda caminhava pelo centro da veneza brasileira, com intuito de aguardar um coletivo, quando soube da notícia.
Ao chegar em casa, entrei em minha alcova infinitamente minha, e pensei três vezes se iria ou não até a capelinha. Antes de sair fixei meus olhos no "Ordem e Progresso?" que destaquei em negrito no centro de nosso símbolo nacional, e patriota, que fica pendurado numa parte escondida da parede lateral.
Chegando na entrada transversal vi a capela lotada. Ao adentrar na igreja falei com alguns conhecidos e de longe avistei meu irmão. A comunidade estava reunida pronta para o provável moratório ato litúrgico.
As beatas com seus lenços e terços de madeira. A juventude paroquial e seus modernos rosários coloridos. As pessoas trocavam olhares de misericórdia, de acalanto, de fraternidade. Os parentes e conhecidos lotavam as duas fileiras de assentos, juntamente aos curiosos que cobriam a entrada, afinal não é sempre que se tem um cadáver na igrejinha de Fátima.
À frente do altar estava o corpo a ser velado. Ao lado do caixão a imagem de uma Maria idealizadamente européia se fazia brilhante num lindo andor.
Derepente alguns iniciaram uma curta procissão com o desejo de ver a pobre senhora no caixão. Sempre considerei o ritual de uma missa de corpo presente um tanto mórbido e doloroso, mas algo fazia deste diferente. O nome da falecida era Dona Biu, uma senhora calada e alegre, mas que era conhecida por todos e isso fazia sua nobre alma presente. Em suas mais de 8 décadas de vida, ela dedicava as manhãs e noites dos sete dias da semana a cuidar daquela capela. E ali, onde sempre zelou, estava a sua matéria.
Enquanto eu sentia arrepios naturais ao assistir o pranto dos parentes, passou ao meu lado um cãozinho negro. O cachorro parecia desesperado, mas a sua fiel intenção era chegar perto do caixão; logo notei que o cachorro era especial, pois ninguém ousava em expulsá-lo do recinto. Sim! O mamífero abatido era de propriedade da Dona Biu! Ele permaneceu durante toda a celebração fúnebre e de explícita forma ensinou algo grandioso e puro aos racionais humanos que o cercavam.
Foi, então, que se encerrou a homenagem e cada um voltou-se ao seu lar. Contudo, a grande razão que me faz escrever esse episódio cotidiano, é que a anciã que tanto fez pela pátria como tantos idosos, faleceu num certo Hospital da(utópica) Restauração, mas morreu aguardando uma vaga na UTI. Parece surreal tal absurdo! Mas 1 vaga na UTI poderia ter prolongado os dias da devota velhinha.
Dedico então essas linhas à Dona Biu: um número inocente que se junta na cruel estatística dessa chaga infernal que os governantes ousam em chamar Saúde Pública. E se não fosse o bastante ficar refletindo em nervosia tal fato, ligo a TV e sinto enorme dor e revolta ao ver que um garoto de 5 anos foi metralhado, por engano, pelos homens da Segurança Pública: pelos destreinados infames travestidos de PM´s!
Sim, Renato! "Que país é esse"?!

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Introdução

Sou o poeta em sua busca constante pela arte.
Sou uma estrela querendo achar a hora de sua constelação.
Sou o enigma que quer te fazer encontrar as razões da palavra.
A palavra que grita por constituir um verso.
Sou o prazer de respirar meus sonhos.
O detalhe que me torna único numa transparência que desfaz a pretenção julgada.
Sou a emancipação da ferida gelada.
O colorido de meu próprio vazio.
A incógnita disfarçada com dureza pros outros.
Sou a penúria no castelo real e o peralta que se perdeu no tempo.
Sou a suntuosidade deste desterro. A figura viva do flagelo modelar. O inocente que se faz ébrio.
Sou o escândalo silenciado pelo medo.
A indecência que luta contra a vergonha.
Sou a liderança eufórica que fugiu dos holofotes.
E também a meticulosidade de quem quer alcançar os topos.
Sou a dignidade de quem desce as ladeiras e a frieza que afasta as pessoas.
Decerto uma contradição eloquente que me garante os risos no vale de lágrimas.
E enfim o jogo de termos que cria força nas idéias de quem ler.
Eis aqui a descrição momentânea de uma jovem alma que ora aflitamente ora suavemente caça as exclamações que sejam capazes de aguçar suas introspectivas indagações.

Elilson Nascimento.

domingo, 29 de junho de 2008

Resignação Harmônica

O espelho refletia-me superficialmente. Fizera um terço de hora que eu estava no banheiro. Após jogar água em minha face, paralizei as ações e passei a observar assiduamente as gotas que iniciavam a escorrer na base de minha testa e pingavam lentamente ao chegar em minha mandíbula. Algumas delas, formavam um rio seco de glória em meus lábios.
Passei uma das mãos em meus cabelos ao mesmo tempo que a outra cubria meus olhos. Com a brecha formada pelos dedos eu os via piscarem como os ponteiros do antigo relógio. Deixei as mãos soltas e fiz meu olhar cruzar-se consigo mesmo. Sem perceber, fui encostando-me ao reflexo. Gradativamente deixando o vago momento fluir. O chuveiro mais ao canto começou a gotejar. Minhas pálpebras seguiram tal movimento produzindo um som que remotava-me à imagem de um porão. E assim continuei até o inesperado colapso ocorrer: mergulhei em meus próprios e infinitos olhos. Caminhei por dentro de meu corpo. Revi cenas esquecidas nas codificações de meu sangue. Choquei-me então com dois caminhos. Em uma via percebia ligeiramente uma pigmentação de luz, enquanto na outra não conseguia distinguir nada. Foi na última que lançei meus membros. Terrivelmente senti nos mais profundos vales de meu ser as páginas de inquietações de minha adolescente vida. Com os segundos a sensação queria me esgotar, tornar-me mais inerente que a ausência de palavras. Nadei até a ponta das vias guiado por uma propriedade natural. Adentrei no ponto de luz e vi um livro com aparência de um baú. No instante em que o alcancei, uma bomba explodiu externamente.
Alguém batia na porta do banheiro. Fui sugado pelo ambiente. A impressão correlata era de que cometia um auto-flagelamento. Retornei à origem bucólica. Desfiz meu dúbio e surreal nirvana ao abrir meus olhos. Nesse exato segundo meu reflexo mostrava as expressões de um profundo e mudo grito. Respirei, enxuguei o rosto e abri a porta. Ele adentrou, e eu saí da inércia inconstrutiva posto que a experiência particular retirou-me o ócio e me pôs a transcrever estas curtas linhas.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Sentimento Incógnito

Para Amy Winehouse é "um fato resignado". Em contra-ponto Christina Aguilera canta que "é o necessário para salvar-se de si mesmo" e Marisa Monte declara: "Não se trata de um jogo de azar". Na Bíblia foi descrito como um livrador de temores". Numa visão bem mais profunda Clarice Lispector sabiamente afirmou que "é mais inerente que a própria carência". E para mim, professo que o amor é uma transcriptase reversa* benígna.
Como tal ele destorneia as funções naturais: nos faz querer achar a fuga campestre no mar agitado, buscar nos seios da solidão o conforto aguardado bem como uma contínua compreensão de seus mistérios na reclusão.
Todavia, tal processo retrógado é benéfico, necessário, preciso. É um golpe da graça que alicerça de maneira consistente nosso mundo. Com suas variadas formas, adornos e direcionamentos é capaz de dominar até o mais frio e seco humano. Melhor dizendo, trata-se de um sentimento que engloba todas as espécies de terráqueos em suas particularidades.
Certo dia fui categoricamente questionado se já havia amado. Eu respondi que amo todos os dias. Quando minha alma entra em sintonia com outra através das palavras-a força cinética das relações- ou mesmo através de sorrisos, quando estou em contínuo contato com minha família, com meus amigos, quando afago uma criança, compreendo um animal, enxergo um humano: estou amando. Mas eu tinha razão que a pergunta se referia ao sentido carnal. Agora confesso que nesse ponto várias vezes já obti como a maioria de nós o sentimento que talvez seja o mais incógnito pela sua efemeridade e normalidade: a paixão: eis a virose sensível.
Tenho o dissernimento de que viver sem amor em sua complexidade não é vida. Enquanto eu tiver razão de que existe amor não ousarei em desistir, pois é como diria Machado: "o modo, pouco importa. O essencial é que saibamos amar"!

*Termo biológico: enzima que caracteriza os retrovírus e permite a função desordenada do sistema.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

A Mosca.

Tudo parecia imóvel. As árvores, galhos, pessoas, o ar... parecia que uma cápsula invisível e incolor de inércia tomava conta do público lugar.
Até mesmo um jovem sob efeito químico não conseguia adquirir do ambiente o movimento normal.
Eu estava paralisado em meio ao tudo que nada transmitia.
Um calor incomum no início de noite esteve característico.
Enquanto eu observava,de camarote natural, que algo sério ocorria com o jovem, uma mosca completou seu ciclo e caiu em óbito no meu papel.
O calor excedia. E eu, perplexo, observava a minúscula ex-vida abaixo de meu nariz.
A complexidade que aquilo me proporcionou inundou o momento de memórias e interrogações, mas o movimento ainda não caminhava ao exorbitante.
Contudo, o banco começou a passar ao meu corpo certa umidade: uma explosão sensorial. O leve frio adentrou em minhas costas. Ao redor, a brisa começou com sua bucólica ação. A mosca vôou sem vida se perdendo entre os quase infinitos grãos de areia.
Tive uma overdose inexplicável. Mas uma bem diferente daquele jovem que carregado foi pelos encapados amigos.
Foi então que em minha frente passava uma bípede com seu filhote. Aquela pequena nova vida aprendia os caminhos da terra. E eu me lembrei da mosca que conhecera morta minutos antes. O vento bateu em minha mente me levando a compreender que este é um ciclo constante.
Olhei as horas. Havia perdido a noção do tempo. Levantei e andei um pouco no parque.
Enquanto eu sonhava com as letras próprias divulgadas fora dali, tive a certeza de que a mosca me ensinou algo tão singelo e profundo como a doce necessária dor que é o amor.

domingo, 20 de abril de 2008

Não Está Lá

Tinha acabado de ouvir os aplausos quando minha mente foi transportada.
Na rua vazia e negra, o colorido se fechou.
Caminhando, vi rastros de alegria no chão. Nas paredes não li nenhuma linha.
A lua que se escondia nas nuvens ainda iluminava os passos.
As vielas obscuras transmitiram ruídos que eu não quis decifrar.
Foi, então, que uma gota fria e densa caiu em minha testa, fazendo-me sentir mais leve.
Aquela água, que parecia adentrar em minha alma, aliviou, por instantes, o meu mundo; e as lágrimas se opuseram contra a cascata.
O parque estava em preto e branco. Andei mais alguns passos. Uma música começara a soar. Eu avistei as escadas. Elas davam numa balsa que me levava a curtas, doces e inalcansáveis lembranças.
Resolvi voltar e continuar. Foi, então, que olhei para a ponte e você não estava no meio a me esperar. Olhei remotamente ao sombrio outdoor e vi tua canção se apagando.
Nesse momento, a realidade declarou: teria sido você uma simples passagem de outono?! Minhas pálpebras bateram e meu coração confirmou que obteve vôos independentes, que se tornaram curtos por ti.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Vôo Multiétnico

Plano 1. Três parentes tagaleram assuntos diversos enquanto aguardam que seu vôo seja liberado pelo caus que protagoniza a aviação brasileira.

Richelli- Senhores, senhoras, peço perdão mais uma vez pelo atraso e um pouco mais de paciência.(aperta a gravata e sai de cena).
Laura(com tom sarcástico) Paciência?! Mas, qual o problema com o vôo? Tem algum espanhol aqui por acaso?
Marcelo-(acaricia o rosto de Laura)- Querida, não se estresse à toa!
Regina(Interrompendo de supetão)- E vai que tenha um espanhol psicopata por aí, minha prima?!
Laura(rispidamente)- Espanhóis não são iraquianos, árabes ou mulçumanos!
Marcelo- Talvez seja mais válido se preocupar com nossos irmãos de terra...(cortando o assunto) Laura, você devia ficar calma! Observe esta senhora a dois bancos de nós: é de idade, mas permanece serena.
Laura(com desprezo)- Serena e esquisita, meu amor!
Regina( dá uma rápida risada e solta os cabelos) Esquisita mesmo! Parece mais uma remota caricatura de HQ do Maurício de Souza ou um conto chifrim da Clarice Lispector!
Marcelo( com muita indignação)- C-l-a-r-i-c-e chifrim?! Já vi que você não entende nada de literatura, vai ver nunca a leu!
Laura(põe a mão na cabeça)- Isso é falta de assunto? Cadê esse vôo que não sai?! *(Dirige-se à prima) Mas, por que falas isso da grandiosa Lispector?
Regina(falando muito alto) Esqueceu que eu sou grande fã do Hitler?! Abomino judeus!
Marcelo- Mas a Clarice nasceu na Ucrânia e não era judia não! Sem fanatismo, Regina!
Regina(desapontada)- Ah, é? Clarice era boa, então.( pausa) Mas continuo a odiar judeus!
(a velha que de longe observava a conversa, levantou-se com ira em direção ao trio)
Enriqueta-(colocando-se de frente à Regina em alto e ríspido tom): A magnífica Lispector era judia e eu também sou judia, sua bastarda!
A elegante senhora se retira indignada e chama a segurança do local. O silêncio toma conta dos 3 futuros passageiros.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Efêmeras Palavras

Por algum tempo vim criando uma alergia ao sol, mas quero estar pronto pra permitir que os raios de esperança voltem a renascer força em minh'alma. Também passei a permitir que levianas palavras me fizessem criar sentimentos feridos, que resultam em choques inesperados. Duramente percebo que talvez tenho deixado minha essência um pouco de lado e é nesse ponto que quase me torno mais um, vivendo de acordo com a música imposta.
Entretanto,eu, centrado em minha problemática, devo viver minhas letras, e afirmo que o frio que bate em minha pele me torna mais maduro, que as irônicas decepções por mais que modifiquem as sensações, nunca conseguem destruir minhas edificações.
É provável que exista, de fato, um destino imutável. Sem frases soltas ou palavras repetidas, estou determinado a vencer, sempre estive! E não é nessa fase que mudarei.
Quero libertar novamente minha autenticidade como uma mariposa foge do casulo modelar. Necessito realcançar a maiêutica. Repraticar o intelectualismo moral. Continuar firme na busca de minha outra parte. E, além de tudo, escalar com competência essa efêmera vida, fazendo de minha filosofia uma atividade além da doutrina, um vôo além do desafio, uma conquista além da tentativa, um inspirar além do suspiro e sorrisos puros além de amargas lágrimas.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Inquietudes Confessadas

Quero agora contar-lhe poucas letras. Dizer que as marmas explicações talvez estejam amenizando, pois anseio ações.
Entretanto, o repentino entristecer continua a invadir meu estado próprio. Sem aviso prévio, seja no entardecer ou anoitecer. Simplesmente chega. E tudo muda. Muda é a minha dor interna. Assim como a moradia ultra-coletiva grita num silêncio mortal. Eu quero gritar por liberdade, por justiça. Gritos espaçados, mudos, silenciosos.
Mas, é nesse ponto que caio no inseguro e constante meio-termo e, por vezes, deixo que a monotonia e desânimo me atrapalhem. Minhas entranhas sangram cuidadosamente e meus músculos visíveis mostram o preço.
Confesso que venho me relacionando bem com o norte e o leste, que venho gostando de calma e atitude. Companhia e solidão. Amigos e desconhecidos.
Contudo, também devo destrinchar que venho tendo uma forte impressão que as grandes amizades têm possibilidades de não serem tão longas ou douradoras, e que o abstrato desejado ainda demore um bom tempo pra enaltecer.
Quanto às condições, o amadurecimento e a compreensão vou obtendo com o tempo, todavia ontem à noite essa inquietude avassaladora me fez dormir sob o efeito de lágrimas enquanto, a chuva me trazia uma dúbia nostalgia.

sábado, 15 de março de 2008

No Pátio da Exclusão

Numa sexta parte semanal busca-se um refúgio público que, aos poucos, torna-se privado. Uma liberdade momentânea, que vai resistindo aos ruidos transmitidos pela massa, porém, uma minoria evoluida- ou não- celebra junto algo que eu ainda não compreendo. Metade são depressivos que, como eu, querem disfarçar, por instantes, os angustiantes e dolorosos gritos da alma ocasionados pelo martírio modelar. Querem gozar de uma força que comumente não existe.
Mas,de repente, o tempo acaba. A radiação de alegria vai desaparecendo. As vozes vão sumindo. O imaginário céu azul vai mostrando sua face. A auto-confiança se esgota novamente. As notas voltam a perder o ritmo. E tudo volta ao cotidiano início. Onde foram parar os pássaros uivantes? Onde está a coragem? Não ouço aplausos eufóricos. O frio domina o espaço.
Por mais que não hesite em participar da integração, não sei se é essa felicidade instântanea que almejo.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Alternâncias

No ponto mais sublime da gestação o bebê tão aguardado nasce sem vida. Como será que ele cresceria nesse mundo tão tão perdido? O quanto será que sofreria em meio à hipocrisia?
Não sei, entretanto, imagino.
É como o jovem que se esconde atrás de uma invisível e amarga capa. É como o animal africano, que é resgatado de um insólito circo e levado para um cerco melimetricamente delimitado, onde passará, talvez, o resto da vida sonhando com uma nova liberdade, que nunca passará dos olhos felizes e inocentes de uma criança ao vê-lo. O ancião que tenta mostrar como vencer a um jovem, que é tão inerte e rebelde sem causa como a maioria.
A vida é um dom tão belo e profundo! Não consigo compreender porque tornamos o viver tão irônico e azedo.
Fome, destruição, intolerância, ignorância...como num salgado inspirar, confirmo que é essa a herança que as gerações adultas de ontem, hoje e depois deixam para os que chegam.
E como se todas essas chagas globais não bastassem, ainda ousam em sustentar, com ásperos pilares, um cruel costume: o preconceito. Preconceito tal que acarreta a uma cascata de outros males.
Entretanto, no momento em que chove torrencialmente em meu introspecto, consigo ver a esperança de que aos poucos ainda podemos causar uma doce e melódica mudança.
Desse modo, eu concluo estas linhas (rabiscadas numa aula de edificações!) com um pensamento que em mim aflorou na noite passada. Condição é diferente de opção. Opinião é diferente de fato. Mas, hipocrisia é hipocrisia, é atraso.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Condições

"Liberdade é pouco. O que eu mais anseio ainda não tem nome" Clarice Lispector.
Existem momentos que tudo se torna uma armadilha transtornante nos becos de meu consciente.
Na situação que estou pensar no ato de respirar se torna desgastante. E desestruturado estive de tanto marmamente buscar respostas, explicações e saídas para minhas condições.
O sentir de ter errado que paradoxamente e constantemente ponho em órbita se torna desnecessário, pois o que necessito ter em minha mente é a responsabilidade para viver.
Nas linhas do cotidiano percebo que tudo isso nunca foi, é ou será uma exclusividade minha. Entretranto ao adaptar-me na juventude quero sempre mais não temer em ser diferente do convencional.
Estou apenas na construção de minha trilha e não posso mais abrir possibilidades para as tentações que podem me trazer malefícios, tampouco para as marcas sociais e hipocrisia humana. Pois isto me pertuba, torna meu ar rarefeito, me afasta de Deus, da luz, das pessoas e até das letras.
Assim, vejo com os olhos não carnais que serei amado pelo que eu sou. Sigo então, alimentando a vida com o combustível eficaz que é a prática dos sonhos. Quero afirmar-me de maneira coerente a cada passo e é desse modo que alçarei o que todos necessitamos: a felicidade: o ato de ser livre!