quinta-feira, 31 de julho de 2008

Sobre Castelos Sociais

Aquela tarde radiava um céu nublado e misterioso. Ríamos sem parar!
As taças de vinho nos levavam a sentir uma maioridade livre.
Os bilhetes de amizade trocados em guardanapos.
O alternativo estava ambientado.
Mas, na esquina defronte, uma menina gemia a vida.
Lamentava o tracejar dos ventos.
Em seu castelinho imaginário ela idealizava um círculo cromático: as cores que lhe trouxessem vida, que lhe trouxessem um pouco de luz.
Uma vida que significasse mudança, que viesse a ter um sabor que seu paladar até então desconhecera.
E ali, no relento, ao ver o gozo coletivo no castelinho marrom, suas chagas roxas em sua pele descancarada de vermelho-vida, deixavam evidente a quem entoasse um mínimo olhar que o único desejo daquela nobre vida em sua tela atual, era de ter uma cama.
Uma cama onde pudesse descansar a vida. Onde pudesse aliviar os pesadelos. Onde pudesse relaxar sua fleumática infância. E, enfim, onde viesse a gozar de mínima e inédita dignidade.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Celebrando a Conformidade.

Eu ainda caminhava pelo centro da veneza brasileira, com intuito de aguardar um coletivo, quando soube da notícia.
Ao chegar em casa, entrei em minha alcova infinitamente minha, e pensei três vezes se iria ou não até a capelinha. Antes de sair fixei meus olhos no "Ordem e Progresso?" que destaquei em negrito no centro de nosso símbolo nacional, e patriota, que fica pendurado numa parte escondida da parede lateral.
Chegando na entrada transversal vi a capela lotada. Ao adentrar na igreja falei com alguns conhecidos e de longe avistei meu irmão. A comunidade estava reunida pronta para o provável moratório ato litúrgico.
As beatas com seus lenços e terços de madeira. A juventude paroquial e seus modernos rosários coloridos. As pessoas trocavam olhares de misericórdia, de acalanto, de fraternidade. Os parentes e conhecidos lotavam as duas fileiras de assentos, juntamente aos curiosos que cobriam a entrada, afinal não é sempre que se tem um cadáver na igrejinha de Fátima.
À frente do altar estava o corpo a ser velado. Ao lado do caixão a imagem de uma Maria idealizadamente européia se fazia brilhante num lindo andor.
Derepente alguns iniciaram uma curta procissão com o desejo de ver a pobre senhora no caixão. Sempre considerei o ritual de uma missa de corpo presente um tanto mórbido e doloroso, mas algo fazia deste diferente. O nome da falecida era Dona Biu, uma senhora calada e alegre, mas que era conhecida por todos e isso fazia sua nobre alma presente. Em suas mais de 8 décadas de vida, ela dedicava as manhãs e noites dos sete dias da semana a cuidar daquela capela. E ali, onde sempre zelou, estava a sua matéria.
Enquanto eu sentia arrepios naturais ao assistir o pranto dos parentes, passou ao meu lado um cãozinho negro. O cachorro parecia desesperado, mas a sua fiel intenção era chegar perto do caixão; logo notei que o cachorro era especial, pois ninguém ousava em expulsá-lo do recinto. Sim! O mamífero abatido era de propriedade da Dona Biu! Ele permaneceu durante toda a celebração fúnebre e de explícita forma ensinou algo grandioso e puro aos racionais humanos que o cercavam.
Foi, então, que se encerrou a homenagem e cada um voltou-se ao seu lar. Contudo, a grande razão que me faz escrever esse episódio cotidiano, é que a anciã que tanto fez pela pátria como tantos idosos, faleceu num certo Hospital da(utópica) Restauração, mas morreu aguardando uma vaga na UTI. Parece surreal tal absurdo! Mas 1 vaga na UTI poderia ter prolongado os dias da devota velhinha.
Dedico então essas linhas à Dona Biu: um número inocente que se junta na cruel estatística dessa chaga infernal que os governantes ousam em chamar Saúde Pública. E se não fosse o bastante ficar refletindo em nervosia tal fato, ligo a TV e sinto enorme dor e revolta ao ver que um garoto de 5 anos foi metralhado, por engano, pelos homens da Segurança Pública: pelos destreinados infames travestidos de PM´s!
Sim, Renato! "Que país é esse"?!

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Introdução

Sou o poeta em sua busca constante pela arte.
Sou uma estrela querendo achar a hora de sua constelação.
Sou o enigma que quer te fazer encontrar as razões da palavra.
A palavra que grita por constituir um verso.
Sou o prazer de respirar meus sonhos.
O detalhe que me torna único numa transparência que desfaz a pretenção julgada.
Sou a emancipação da ferida gelada.
O colorido de meu próprio vazio.
A incógnita disfarçada com dureza pros outros.
Sou a penúria no castelo real e o peralta que se perdeu no tempo.
Sou a suntuosidade deste desterro. A figura viva do flagelo modelar. O inocente que se faz ébrio.
Sou o escândalo silenciado pelo medo.
A indecência que luta contra a vergonha.
Sou a liderança eufórica que fugiu dos holofotes.
E também a meticulosidade de quem quer alcançar os topos.
Sou a dignidade de quem desce as ladeiras e a frieza que afasta as pessoas.
Decerto uma contradição eloquente que me garante os risos no vale de lágrimas.
E enfim o jogo de termos que cria força nas idéias de quem ler.
Eis aqui a descrição momentânea de uma jovem alma que ora aflitamente ora suavemente caça as exclamações que sejam capazes de aguçar suas introspectivas indagações.

Elilson Nascimento.