quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Parelha



(Dedicado, também, à Analice Croccia)

É da graça de ter alguém que você possa parar na beira da calçada e olhar indo de costas ponte adentro, acima, abaixo, envolto pelas margens do canal-rio, pela fachada do São Luiz, pelos ônibus, pelas pessoas, pela algazarra suave da noite, pelo cansaço vibrante da lua que logo mais tem de virar sol. É essa graça de estar intacto na beira da calçada, com o olhos focados naquele corpo-alma celestial, tendo a certeza de que vai virar umas quatro, cinco, tantas vezes na geometria-percurso da ponte, sorrir, balbuciar palavras de longe e responder aos corações formados com os braços na cabeça ou com as mãos na altura do peito.
É da bênção de ter um sorriso para beijar. É da sorte de ter alguém que o desperte da sonolência interminável das manhãs para que seu dia possa começar. É do estado de paz imensurável que se sente quando unido: por um olhar, um sorriso, um toque, um abraço, o mundo parece estar em suspensão. É da dádiva de ter fotografias pulsando dentro do peito. A inefável arte de fotogr-amar.
Alegria seria pouco. Essa graça-bênção-sorte-estado-dádiva só poderia ser Felicidade.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

21 Gramas de Vermelho

Contornou silenciosamente o batom em seus lábios. Olhou-se no espelho bruscamente, não conseguia encarar a si mesma. Sua face era a memória que não queria ter. Manteve-se em frente ao vidro manchado de fungos alaranjados, mas de vista tampada. Com as pálpebras obstruindo a duplicação da realidade, buscava a plenitude do silêncio. O Silêncio que gritou-lhe um leve suspiro de sua avó. Então, abriu os olhos e deu uma guinada de 360° apreciando milimetricamente o seu universo vermelho. Era a predileção cromática que herdara da avó. Viviam imersas no vermelho. Paredes, roupas, móveis... O que se tinha, era pouco e vermelho.
Entoou seu olhar em direção à cama da avó. Suspirou vagarosamente. Beijou-a demoradamente na testa macia, sem acordá-la. Um beijo leve, devoto e amoroso. Contemplava sua avó com uma nostalgia antecipada. Um saudosismo incerto. Estava decidida. Deixou-lhe um bilhete corriqueiro dentro da amarelada Bíblia de cabeceira. Certificou-se de que tudo estava em sua devida ordem e partiu completamente vermelha, dos sapatos ao diadema, ao seu labor diário: trabalhava noite adentro.
Era meticulosa em seu ofício e cumprira normalmente o que era destinada a fazer. Mas, aquela noite pareceu mais curta que o habitual e cada minuto fora despretensiosamente premeditado, pré-meditado, cal-cu-la-do.
À beira do amanhecer, com o céu caiado por dentro de seus olhos, sentou-se numa esquina acinzentada. Despiu-se dos sapatos. Enrolou num papel rabiscado o apurado do serviço e guardou no meio de seus seios. Cuspiu as sobras de esperma da noite e, então, deglutiu sem demoras quantidade considerável de veneno estricnina. Antes que o sol surgisse completamente, entre espasmos, vômitos e bombardeios no coração, as cores foram padecendo uma a uma em sua vista semi-aberta. Até que restou a imensidade vermelha inerente aos quase mortos. Lembrou-se da avó. Com a cabeça trêmula encostada numa parede enfeitada de lodo, tocou em seus lábios um sorriso que ameaçava escapulir. Padeceu embalada pelo vermelho e através do quase sorriso se desprenderam seus 21 gramas restantes de vida. Vermelho-vida. 21 gramas que pesavam sua alma.

sábado, 31 de julho de 2010

Indescritível

Era destinado a caminhar.
Enfrentar os martírios do sol, conhecer cada rastro da solidão agreste dos desertos da vida, era pontos essenciais ao seu ofício. Vivia de escrever. Escrevia para (re)viver a cada vírgula, a cada fragmento de pensamento transposto em vida num papel.
Sem nem um titubeio de incerteza, seguia suas vontades repentinas. Beijava a testa de sua mulher, acariciava as orelhas do gato siamês e passava pela porta do casarão que herdara. Uma mochila preta nas costas carregava o suficiente para os dias de busca, dias de exílio em meio a outras vidas, em meio a outros tipos de vida. Levava papéis brancos e amarelados, nunca utilizados e uma ou duas roupas limpas.
Chegava a terras distantes do que se chama urbano, chegava a terras próximas do que se grita socorro (!), porém uma clemência distinta dos seres que vivem rodeados de prédios, esquinas e cinza. Ali, naquelas porções de barro, o socorro era o estopim de quem se sente pequeno, mas que sabe aproveitar cada partícula de ar que absorvia.
Naquela procura de novas palavras, em especial, viveu algo mais singular e curioso que das outras vezes. Desceu do ônibus, pegou carona numa carroça repleta de plantas e moscas, trocou mínimos cumprimentos com o velho calejado que guiava o veículo, sem nunca chicotear o animal-combustível que era tão calejado quanto seu dono. Eram calejados pelo sol, pela fleuma nunca compreendida, sempre conformada. Passou cerca de doze minutos trotando entre galhos secos e poças de lama até pedir parada. Desceu em meio ao nada ludibriado por uma ave magrela que se alimentava do asfalto da terra. Sentou numa pedra, contemplou o vago até que seu pescoço debruçou-se para cima, fazendo-o ler por inteiro a árvore que estava encostado. Levantou-se. Olhou ao redor e constatou que todas as demais árvores apresentavam a mesma estrutura ácida e peculiar que aquela. As folhas, nos galhos quase sem seiva eram substituídas por sacos plásticos. Plásticos que o vento trazia de todo lugar estacionavam ali, sem piedade, criando uma paisagem artificial, manchada.
Então, caminhou até que o sol rachasse seus lábios e enfraquecesse suas pernas. Por sorte encontrou uma caminhoneta de partida. Vários corpos amontoados. Alguns sentados, outros pendurados por armações de madeira- como araras, várias delas juntas no mesmo espaço, às vezes na mesma fatia de madeira. Partiu em pé. Uma mão presa à madeira, a outra segurando a mochila. Pálido e tomado pela sede, enganava o organismo sorrindo vez em quando ao bebê que estava em sua frente. No colo do pai, a criança o olhava de um jeito indescritível, parecia querer confortar sua agonia. A mãe da criança o cumprimentava sem muito ânimo e o pai percebia a aflição daquele homem sem cor, seguindo como eles em busca do nada, fugindo do que nem se tinha certeza. Eis que o homem simples, dono de uma rudez inocente, colocou a criança no colo da mãe e convidou que aquele escritor vivendo um dia de retirante se sentasse em suas próprias pernas, para que aliviasse seu cansaço e suas náuseas.
Assim, seguiu pelo resto da viagem, como um menino acolhido com devoção pelo colo de seu tutor. O tutor que não sabia nem o nome, tampouco quais eram os seus sonhos.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Reflexo

Caminhava descalça naquele casebre cor de caramujo. Sentia cada folha seca, cada rastro da intempérie que soprava por aquele lugar quase perdido entre o céu e a estrada.
Vestia um longo vestido azul com estrelas amarelas na estampa. Esperava pelo quê nem sabia denominar.
Vivia na companhia de sua tia-avó. Era o único pigmento de vida que palpitava na íris de seus olhos. Banhava a Senhora com devoção. Depois a colocava na cadeira e balançava até que ela adormecesse por um tempo.
Parecia não querer voar dali, mesmo sentindo que suas asas lutavam contra sua pele para poder brotar nas costas.
Ela não vivia um quadro colorido, tampouco preto-e-branco. Vivia num efeito de sépia.
Obedecia cautelosamente a um ritual que criara sem a mínima pretensão. Cuidava de sua tia, andava descalça tateando o chão da casa com os pés e ficava alguns segundos paralisada na porta de entrada. Enquanto olhava a sua paisagem particular chegava a pensar no dia em que a morte pingasse sob o telhado, no dia em que ficaria definitivamente sozinha na vida, no dia em que teria de decidir estar ali para todo o sempre ou partir pelos mistérios que poderiam viver além daquele jardim.
Sempre acabava suspirando pelos olhos, lagrimejando pelos lábios e como se alguém desse uma tapa na beira de seus ouvidos, ela voltava ao que pensava ser a Realidade. Então, continuava sua rotina caminhando pelo jardim. Era um bucolismo arcaico em forma de jardim. Sentava embaixo das duas árvores entrelaçadas e lambuzava-se com mangas. O alimento que não poderia faltar em sua vida, era como uma terapia. Ela chupava o fruto até que sua roupa estivesse manchada, até que o contorno de sua boca estivesse amarelo, doce.
Depois se dirigia até o centro do jardim onde havia uma cacimba velha e desbotada. Colhia água com a balde, lavava seu rosto e fugia mais uma vez da Realidade. Sentada no contorno da cacimba, a moça passava o tempo que fosse olhando para a água lá no fundo. Seu rosto ganhava expressões melancólicas, alegres, maduras, infantis, expressões sonhadoras. Sonhava em descobrir os mistérios daquela água que existia logo abaixo de seu corpo, desejava descobrir os seus próprios mistérios. Necessitava saber o que seria Amor. A palavra que ouvia desde a fabricação de suas primeiras memórias. Olhar aquela água remetia sua mente ao Amor, mesmo que ela não entendesse completamente, era da cacimba que se via o fundo do amor lá de cima.
É da cacimba que se vê o fundo do amor lá de cima.

domingo, 13 de junho de 2010

Da Arte de Suspirar

Poderia passar todas as minhas horas com você, olhando para você. Poderia escrever todos os versos de meu consciente para você. Sinto a necessidade de partilhar com as palavras o quanto é maravilhoso, o quanto me descubro através de ti. E o meu sentimento é abraçado pelas suas palavras, pelos seus gestos, pela sua gentileza em forma de pinguim. Você cativa minhas listras mais ocultas, você me resgata de meu próprio buraco negro. Em cada ângulo de meus olhos claros há uma fotografia tua, pulsando. Pulsando vida em mim. Sinto-me abençoado em chamar as horas de nossas.
E o que mais quero é te fazer feliz. É mergulhar na felicidade de mãos unidas a você, meu bem.
De alma unida a você, sinto uma liberdade inédita de ser doce. Você diminuiu minha acidez, você me fez doce. Você consegue me fazer surpreendentemente doce. Você faz de mim um Menino. Seu menino-homem. E tudo isso é exclusividade sua.
Estás em cada detalhe, em todos os versos. Estás na chuva de domingo, nas palavras desenhadas pelos meus dedos. Estás na lua que transforma minha prolixidade em poesia. Você é a minha arte de suspirar. Foi através de ti que descobri o quanto suspirar me faz bem.
De alguma maneira ou de todas as maneiras, desde aquele primeiro contato, naquela noite de festa, ao ver tuas costas partindo sem nenhuma garantia imediata de reencontro, não poderia evitar: você continuou em mim e eu sentia que parte de mim já tinha ficado contigo, embrulhada com cautela. Partes nossas conectadas, querendo se reencontrar, desde que nossas almas se reconheceram.
E que assim seja. Que cultivemos nosso sentimento. Quero ter contigo uma "vida lazer". Quero você pela manhã quando estremeço de mau humor. Te quero pela tarde quando me escondo do sol. Quero-te à noite quando contemplo detalhes da vida. Te quero pela madrugada quando viajo dentro de mim. Dentro de ti. Dentro de nós. Quero você pelas horas, pelos caminhos, pelas vias, pelos momentos, pelos gestos, pelas palavras... Quero-te pela vida, sem imposições de tempo, numa chuva plena de Harmonia.

Desprender-se

Distancio-me inesperadamente. Meu olhar atravessa nuvens próximas e invisíveis. A mão que segura o meu queixo deixa transparecer o momento. Não adianta querer entender se nem mesmo posso detalhar com tal propriedade. Apenas mergulho, sem notar, sem nem se quer pestanejar.
-O que houve? Você ficou distante de repente... Você e os demais perguntam inquietados.
-Está tudo bem, nada fora do meu comum.
(É que em minha mente passou a tocar outro ritmo. Em meu sangue passou a fluir um álcool diferente do que estamos bebendo. Outras imagens entraram em foco e quero apenas apreciá-las, descobri-las. Desabafo internamente com algo maior dentro de mim, que não me responde, mas parece me compreender, me possuir. O que está diante de meus olhos fala por si só. É justamente a mesma coisa que você vê se acompanhar a direção da minha vista, mas em mim, ali está a capa de outro universo. Faz parte de mim esse desprendimento, não se preocupe à toa. É que minha alma gosta do desprendimento, da arte de se desprender. Sou uma alma que gosta de se desprender. Soltar-se do momento, da fala, da ação, por minutos. Minutos que reinventam a fala, a ação, o momento. É o vago que ganha força. O que parece pequeno é gigante, basta se desprender, deixar que seu íntimo lhe domine, mesmo que isso absorva um pouco de energia, que lhe coloque uma feição triste, séria. O que é a melancolia se não a contemplação do vago pelos que sentem?!).
- Eu só estava pensando um pouco.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Mini-conto da Desilusão

Despertou do coma de duas décadas.
A enfermeira gritou glória aos céus.
Após uma hora de auto-reconhecimento, ela estava na janela da enfermaria.
Viu faces pintadas, bandeiras, gritaria...
-A revolução sobreviveu?! Perguntou emocionada.
-Estamos em copa do mundo, respondeu euforicamente a enfermeira.
Ela voltou a dormir.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Há quem Padeça por Amar

Maio de 1997. São Paulo. Os dois voltavam em silêncio no carro. Na rádio tocava uma sucessão de clássicos da Soul Music. Eles tocavam-se pelos dedos. Em certos instantes, o que dirigia diminuia a velocidade para deslizar seus olhos na face do que estava no banco ao seu lado, sem cinto de segurança, com a cabeça curvada em sua direção. Passaram a noite juntos. Jantaram. Correram na chuva, abraçados, distante de suas residências, de seus trabalhos. Comemoravam um ano de relacionamento, um ano de amor compartilhado, de amizade, de apego.
Voltavam tranquilos pelas ruas, fazendo contornos maiores, pegando atalhos mais longos para continuarem ali, juntos um ao outro.
"Não precisa me deixar na esquina de minha rua. Deixe-me umas três ruas antes, já é o suficiente. Há iluminação, o bairro é pacato até demais. A boemia ainda deve está rolando solta, ficarei seguro". Repetiu a mesma coisa umas três vezes, fazendo com que o seu namorado, que dirigia, que ainda cruzaria uns vinte minutos para chegar em sua casa, acatasse aquele pedido.
Na verdade, ele não queria ter que ser alvo dos comentários da vizinhança na manhã seguinte. Sabia que sempre há um olho aberto quando a felicidade alheia está vivendo sobre a noite. Sempre há um dedo sujo pronto para engatilhar violência. Sabia que sempre existiria uma língua crua a soltar moralismo hipócrita pelas sacadas.
Na rádio começou a tocar uma gravação de Nina Simone que os dois adoravam. Pararam o carro. Cruzaram os braços, segurando firme a nuca um do outro. Era uma mania dos dois desde o primeiro dia em que trocaram carícias. Cantarolaram a canção até o último toque do piano. Deram-se conta de que já estavam no fim do percurso.
Não se deram conta que de fato a boemia rolava solta. Mas, uma boemia antônima à sua boemia. Quatro rapazes os observaram desde a freada do veículo, zombando, assistindo inexplicavelmente enojados.
Sem notar a infame companhia, despediram-se com um beijo. Um beijo curto, dado com cuidado. O namorado-passageiro abriu a porta e desceu do carro. Baixou-se na altura da janela e os dois trocaram com os lábios na ausência de som: "você é meu".
O que dirigia seguiu seu caminho. O outro seguiu caminhando. Faltava apenas umas curvas para chegar em sua casa e voltar à rotina. Então, percebeu as piadas, notou a presença dos quatro jovens, tão jovens quanto ele, com expressões de ódio. Fingiu que não acontecia nada de anormal. Apressou os passos, os outros quatro também. O medo fez com que ele desviasse o caminho, se distanciasse mais dali a fim de despistar aqueles homens. Até o momento em que não conseguiu correr, sentiu um medo que dominou sua movimentação, que deixou seus músculos rígidos. E aqueles quatro o cercaram.
Na rua inóspita seu corpo esbelto caiu na sujeira. Socos, chutes, cuspes, gestos que desmoralizavam sua moralidade, sua masculinidade. Arrancaram-lhe a calça. Ele tentou fugir, gritar, mas era impossível. Um táxi passou de repente. O homem ao volante conhecia um dos agressores. Parou o carro. "O que fez de tão grave esse aí?!", perguntou. "É só um viado". , respondeu o seu conhecido. Eles trocaram risos lastimáveis e o taxista partiu, sem o menor indício de piedade.
Continuaram a torturar o corpo do rapaz. Apostavam entre eles quem dava o soco que espirrava mais sangue. O namorado-passageiro só tinha um olho esquerdo semi-aberto. O direito jorrava sangue.
Um daqueles quatro opressores teve uma atitude ainda mais cruel: começou a utilizar uma placa metálica velha que encontrou na calçada deserta. E continuaram a matar pouco a pouco aquele recém formado jornalista que nunca fez uma gota de maldade a eles, que nunca nem havia cruzado o caminho deles.
Vinte e um minutos de pachorra, de ira, de desamor, de estupidez.
Antes do olho-esquerdo apagar, a última imagem que tinha era do sorriso de seu amante soltando sílabas apaixonadas.
Assim, o rapaz deixou de existir, virou um cadáver, outro número esquecido. Desfigurado, numa esquina suja, com os lábios formando um quase sorriso. Morreu na madrugada de 17 de maio de 1997, nove anos depois do amor que ele vivia ter deixado de ser considerado uma doença pela Organização Mundial da Saúde. Morreu no dia em que passaria a ser chamado de Internacional Contra a Homofobia.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Demora

Dedos misturando-se à penumbra.
Os cães ladrando nas beiradas da rua.

Silêncio de madrugada.

Os ventiladores ligados às tomadas elétricas da casa. Vida na escuridão. Sombra da cabeça dançando na parede, negra. Um resquício de reflexo no televisor. Embalagem de biscoito enfeitando o sofá. Notas agudas ecoando vez ou outra do computador.
Dois dedos que brincam de amar nas bordas úmidas do copo de vidro.
Pescoço que estala momentaneamente. Mosquitos pousando na tela, traços góticos de olhos que não dormem. O vento pincelando o telhado.
A palavra Deus nítida em um calendário.
[ ]
Há um santo torto dentro de mim.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Re-no-va-ção.

"Uma lembrança boa?!".
Era uma das oito indagações as quais me deparei ao conectar o meu formspring.me.
Com a rotina quase sempre melancólica que costumo levar é bem mais fácil lembrar das experiências difíceis, amargas, que me fizeram crescer, que tornaram-me mais apto ao ato de crescer. Crescer no corpo e bem mais na alma: auto-conhecimento a cada dia. Conhecer-se deve ser uma das coisas mais árduas que devemos passar. Provar nosso caráter, nossas atitudes em cada episódio, adaptar-nos aos nossos instintos, condições, às nossas diversas e distintas fomes e sedes. E isso nunca se esgota." A vida se renova a cada dia", foi o que ouvi de alguém na rua, hoje.
Pulei a pergunta, pois de primeira impressão achei que fosse levar mais tempo para recordar algo feliz, que satisfizesse aquela pergunta, que fosse suficiente a mim.
Até que voltei meus olhos novamente à questão e ela saltou da tela em letras ampliadas. Foi como um estalar à beira da vista, um sopro de luz no peito angustiado, um suave tapa no rosto.
Lembrei-me. Lembrei-me de algo maravilhoso, inefável. Um momento curto que deve ter mais relevância que vários outros instantes. De uma claridade e pureza que podem esmagar as memórias obscuras.
Era 8 de Dezembro de 2002. Estava completando onze anos de idade. Tinha voltado da igreja. Várias pessoas aguardavam-me no quintal para uma festa surpresa. Já tinha descoberto o plano deles, mas fingi não saber de nada o tempo todo, de modo que eles só descobrirão se lerem esse depoimento, solto, aqui, ao julgamento do mundo.
Meu corpo franzino atravessou dois cômodos e lá estava ela, minha avó. Numa cadeira de balanço, com uma sonda atravessada no nariz, sem poder andar ou falar, tinha sido liberada do hospital por alguns dias para que retornasse e lá continuasse seu martírio até o dia em que morresse, exatos 37 dias depois dali.
Olhei-a, cheguei perto, beijei sua testa. Ela esticou os braços, abraçou-me e com visível dificuldade chamou-me pelo apelido carinhoso que tinha me dado desde o início, desde os dias em que engatinhei. E enviou-me um sorriso, o sorriso mais belo da vida. E essa foi a última vez que de fato nos falamos. Pois, depois dali, ela e a doença mergulharam uma na outra, de vez.
São os detalhes que acabam por nos modificar. Um momento guardado em mim, tão vivo quanto meu corpo, renovou-me. Uma indagação cibernética e corriqueira, renovou-me, agora.
É incrível como a vida se renova por detalhes. É lamentável que quase sempre deixemos esses detalhes correrem pelos segundos, pelos dedos, pelas telas.
A imagem está há quase uma hora se repetindo sem cessar na minha mente. O peito continua angustiado, angustiado pelo tempo, pela incerteza, pela ebriedade das paixões, mas a alma vai descansar mais leve, surpreendentemente P U R A.


Maria Luiza Duarte, Mulher, brasileira de sangue e de alma, reflexo de muitas outras almas-mulheres-vidas-histórias desse país, cearense, retirante, sonhadora, analfabeta, sábia, órfã, vítima da Fome, mãe de 5 filhos, mãe solteira, mãe e pai, matriarca, avó, Minha Avó. Incrível renovação dos meus sentidos, importantes capítulos das minhas memórias, imagens claras na minha jornada, amor e força que me inspiram, marca que o amadurecimento me trouxe. Esperança de reencontro no além-vida.

sábado, 6 de março de 2010

Nuances

"O nosso jogo perigoso combina! Nós somos fogo e gasolina"

É difícil poder descrever de onde surgiram nossas nuances. Anormal, pode ser. Ter um brinquedo em mãos e não poder batizá-lo. Estar numa posição sem equilíbrio, mas sorrindo como criança que está no circo. Não diria que é anormal, é hermético. Tão confuso que nunca paramos de verdade para comentar os detalhes do que se sucede. Sucedeu.
Nossa trajetória é uma garrafa de vodka vazia sendo girada numa mesa em que só há dois lugares. Se era eu quem sentia além da conta, foi você quem deu partida ao fluido de seus desejos, de nossos desejos. Não deve ter nada de anormal em desejar.
Nosso sentimento é bem maior que essas alterações . Nossa intimidade é tão profunda, que talvez seja isso que faça com que meus pudores dobrem de estatura. Os pudores que tenho em relação ao meu corpo, aos meus princípios, duplicam-se com você. O receio de manchar esse elo de almas, o medo de deixar com que as coisas se confundam. De estar sendo suavemente "sujo", deixando a integridade correr pela carne.
Três semanas é o tempo mais recente em que nossos corpos ébrios se jogaram contra uma parede pública, pré-carnavalesca. Os peitos acelerados pelo perigo de chegar alguém. O perigo que correm os amantes: o terceiro ponto não pode nem perceber o que se passa. Mas, não estou como amante. Não estive, não estarei. Pertenço a uma outra categoria ainda não catalogada.
Fácil é codificar como entram em cena as nuances. O cenário urbano se limita a você e a mim. O teu olhar corre em mim, procurando um foco. O movimento dos teus cílios estremecem meus pudores. O meu olhar não consegue evitar, lambe sem pensar o teu corpo. Seus olhos acham um foco nos meus lábios. Minha voz não emite mais a pauta que tínhamos na conversa. Ganha nova etimologia nos teus pensamentos, como se estivessem sussurrando em câmera lenta na beira das tuas orelhas. Sussurrando as nossas vontades.
Sua mão vai guiando sem medo a minha pele, enquanto minha língua ainda tremula desvirgina o piercing da tua orelha. Exalo vinho, você cerveja. Beijos com sabor de cereja. Beijos que refrescam. Línguas e pele entrelaçadas, decorando o perfume que banhou a pele que começa a ser dominada por um suor contido.
Tudo isso em minutos, quase sempre em público. Difícil é codificar o instante em que voltamos à tona. Em que suas precauções e meus pudores são jogados no ventilador. Sinto-me encurralado. Desejo que isso nunca mais ocorra, desejo que ocorra no dia seguinte e com mais intensidade.
Sou o banheiro trancado de luz apagada, você a resta transmitida pelo espelho. Estou do lado mais frágil da mesa?! Isso a garrafa dirá. Porém, quando as nuances somem por um período, a garrafa gira até que vomitemos.
E no dia seguinte sambo meus pés no carpete: a poeira permanece intacta. Para quê deixá-la subir ao ar, não é mesmo?!
Anormal deve ser empoeirar a felicidade do terceiro ponto pelo que nem se discute, pelo que nem é catalogado. Anormal, pode ser não se render aos próprios desejos. Não posso mais definir o que foge da normalidade, anormal é uma palavra forte, talvez nem se encaixe nessas nuances.
Se fechar meus olhos e somente viajar em tuas malícias inocentes, meus sentidos certamente revelam o desejo de minha mente: mergulhar em teu corpo, permitir que você invada minhas virtudes até que as minhas...
Até que as nossas pupilas estejam dilatadas. Sobriamente dilatadas.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Na Pele

O mundo dorme em sua quase totalidade. Do meio dessa praça observo os segredos do silêncio.
Há pouco uma legião de Andróides passou por aqui. Vestiam-se quase que iguais e carregavam nas mãos um Livro Sagrado que talvez nem eles entendam, que dirá eu entender! Por sorte, eles não vieram me incomodar.
Os demais invisíveis fazem diferente de mim: estão dormindo nas beiras dessa praça viva e suja. Um saco plástico dança no vento. O ócio noturno me leva a acompanhar sua sincronia. Ele só pára de poluir o ar quando fica estranhamente preso em uma das letras da fachada do Diário de Pernambuco.
Por distração, meu pé esquerdo toca na lama. Limpo-o nos meus próprios jornais.
Os pombos descem um a um dos fios elétricos dos postes. Como eu, eles também não querem dormir. Dormir para quê?! Brigam pelas fatias de lixo derramadas no asfalto.
Deito meu corpo vagarosamente. Um livro que encontrei na margem do canal-rio me serve de travesseiro. Devo saber de cor o que há nele. Devo negar sem dó o que há nele. Vejo o céu escuro tentando me lembrar qual é mesmo o meu nome e porquê nasci.
Esse céu goza de mim, pois só expande meus pensamentos. Ouço passos. Talvez sejam as putas ou os travestis, talvez me dêem uns trocados. Ergo minha cabeça, não são eles.
São bandidos trocando um lero com alguns bandidos que pertencem a uma outra classe, são uns que vivem travestidos de alguma função de segurança pública. Ouvi dizer que esses tantos envergonham uma nação de homens. Eles me dão medo da mesma forma que os bandidos corriqueiros.
Volto a me sentar, sem muitos ruídos. Os homens fazem barulho, riem alto. Estão zombando de dois garotos que caminham abraçados. Os jovens apressam os passos de mãos soltas. Penso que vieram das bandas do Marco e vão se arriscar a esperar o bacural fora do Cais.
Meu foco se perde entre os passos daqueles dois adolescentes. Fico em transe, até que um barulho de motos reacende minha atenção.
Os homens maus foram embora. Alguns carros começam a transitar de repete. São tantas rodas, fumaça e lixo que minha visão fica opaca. Por um instante achei ter visto meu falecido cachorro. Passei o dia pensando nele. Um homem que tem a frieza de envenenar um animal merecia ser esmagado como um carrapato, com apenas um bom passo firme, pois eles poderiam me envenenar da mesma forma. E meu cachorro não podia falar. Posso ao menos gritar, dizer...Mas, e ele?!
Ao mesmo tempo reflito se também sou cruel ao colecionar cadáveres de aranhas indefesas e outros minúsculos debaixo dos meus chinelos.
Meus olhos caminham pelo deserto urbano querendo encontrar rastros de mim.
Há um livro largado do outro lado da pista. Levanto e vou ao seu encontro. É melhor fazer algo mais útil enquanto o sol não atrapalha e não traz a multidão.

domingo, 17 de janeiro de 2010

O Haiti poderia ser Aqui

"Pense no Haiti. Reze pelo Haiti. O Haiti é aqui. O Haiti NÃO é aqui"
(Caetano Veloso/Gilberto Gil)

Desde o primeiro noticiário que pude ver relatando acerca da recente catástrofe ocorrida no país mais pobre das Américas, que esses versos da canção "Haiti" de Caetano e Gil na interpretação de Elza ressoaram em minha mente.
Não é de agora que o Haiti precisa da ajuda do mundo. O Brasil é uma nação que vem há anos cumprindo um papel social no Haiti. Vale aqui mencionar e honrar todo o empenho de militares de nossa Força Nacional bem como de militantes como a notável Sra Zilda Arns, mundialmente reconhecida por suas ações sócio-religiosas e fundação de projetos como a Pastoral da Criança, que dedicaram anos de suas vidas na tentativa de levar dignidade àquela parcela de gente que sempre foi esquecida pelo mundo e que infelizmente foram umas das cerca de 200 mil vítimas da tragédia natural que afundou ainda mais o Haiti no inferno que sempre viveu.
É interessante ver como a Solidariedade ainda vive no mundo. Ao redor do planeta, inúmeras pessoas estão promovendo iniciativas para contribuir na reconstrução do Haiti, que na verdade nunca deve ter se sentido "construído". Impulsionados também, é claro, pelo exemplo de pessoas públicas como políticos e artistas que anunciaram suas doações às vítimas sobreviventes.
Por falar em pessoas públicas, a cantora brasileira Sandy Leah, questionou em seu Twitter o fato de muitos brasileiros, comovidos pela tragédia, estarem ajudando o primo de Continente bem mais do que ajudam a mudar a realidade do próprio Brasil. A cantora ainda completou no mesmo comentário que considera formidável essa atitude, mas que deveríamos parar para pensar no que fazemos pela nossa nação.
Não aponto críticas ao comentário da Sandy. Arnaldo Jabor, inclusive, falou algo parecido ao citar o esquecimento global que sempre sofreu o Haiti e esse surto de imediatismo solidário que passa agora por conta da catástrofe.
Uma tragédia dessa dimensão mexe muito mais com o sentimento universal, isso é óbvio. Mas, de fato, trata-se de uma nação à margem. Como outros países da América, da Ásia e especialmente da África. Parecem que a toda hora estão num outro mundo. Nós preferimos tapar os olhos, pois ver o que se sucede nesse outro mundo dói os olhos.
Acima de tudo, o Haiti é uma prova viva de quão a desigualdade impera. O Haiti é uma nação morta-viva, com ou sem tragédias dessa natureza. Fato é, que por "sorte" nossa o Haiti não é aqui. Mas, nossa nação tem um quê de Haiti. O Haiti poderia ser aqui.
A tragédia ocorrida tem que nos antigir além de emocionalmente, criticamente. A natureza colocou os olhos do mundo no Haiti, isso não deve ser por acaso.
Além de lamentar o inesperado, é interessante mesmo que nos juntemos à solidariedade global e façamos um mínimo.
Pois, com tanta disparidade no mundo, destruição global e ditadura capitalista, não se esqueçam de que o Haiti poderia ser aqui!


Ps: Para quem é de Recife como eu, por esses dias foi formada uma comissão de solidariedade pelo Haiti, com coordenação de secretarias públicas, entidades não-governamentais além do apoio de empresas de serviços e tele-comunicações para promover uma arrecadação, durante 15 dias, de alimentos, roupas, e Água(garrafão de até 5 litros) para os sobreviventes. Por falar em Água, ver as imagens daqueles homens, mulheres e crianças aflitos pelas ruas correndo de um canto a outro da destruição atrás de uma gota de água é mais que um grito de alerta aos habitantes do planeta Terra.
Aqui estão listados os pontos de coleta no Recife:
Confira abaixo os pontos de coleta:
- Quartel do Derby - 24h
- Praça Professor Fernando Figueira - Das 8h às 18h
- Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Pernambuco (Rua do Imperador Pedro II,
235, Santo Antônio) - Das 9h às 18h
- Instituto de Assistência Social e Cidadania - Iasc (Rua Imperia, 203, São José) -
Das 8h às 17h
- Igreja Matriz das paróquias - De acordo com o horário das Igrejas
- Parque da Jaqueira (a partir das 14h de amanhã) - Das 8h às 22h
- Segundo Jardim, em Boa Viagem (a partir das 14 de amanhã) - Das 8h às 22h.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Almas que Teclam

(Obrigado, Bruna Oliveira.)

Bruna diz: Posso fazer uma pergunta?
Elilson diz:
Já tás fazendo uma...(risos)
Pergunte, oras, você sabe que nem precisa pedir. (Mais risos)
Bruna diz:
você é feliz?
Elilson diz:
Ai!
Felicidade, pra mim, é algo quase inatingível...
Mas que é atingível.
(Risos)
Às vezes estou feliz, na maioria alegre.
Alegria é mais comum.
Mas ainda não atingi um nível de auto-felicidade, se era nesse ponto a sua pergunta...
Bruna diz:
Alegria e Felicidade, qual a diferença?!
Elilson diz:
Felicidade é algo mais pleno, é Grande!
Parece-me que nem leva em conta o Tempo.
Alegria são momentos.
Alegria deve ser menos que felicidade.
Alegria é característica, Felicidade é estado...
Não sei explicar, algo assim...
Bruna diz:
você já sabe o que te faria feliz?
Elilson diz:
Sonhar me faz feliz.
Ir a lugares que sinto leveza me faz feliz e triste. (Risos)
A solidão me causa uma felicidade amarga, sabe?!
Por que mesmo estando melancólico, gosto.
Bruna diz:
Gostas de ficar só?
Elilson diz:
E Muito!
Porém, gosto de estar entre meus amigos na mesma intensidade.
É que são oportunidades diferentes de se provar, auto-conhecimento...
Bruna diz:
O que você acha que move duas pessoas a ficarem juntas?
Elilson diz:
Duas? Duas ou mais? (Risos)
Tipo...
Amizade: você só se une com quem te dá paz ou tem algo em comum contigo ou mesmo algo que você admira, mas que nem é comum a você.
Duas pessoas quando se juntam para a vida, construir algo, procuram o que complementa sua alma. Por isso na maioria das vezes, nos apaixonamos mais por quem menos se parece conosco!
Pelo menos é assim que penso.
Bruna diz:
É, pode ser. Que papo mais filosófico e introspectivo, não?! (Mais risos)
Eu queria saber...
Elilson diz:
Continua..
Bruna diz:
Se aparecesse alguém que despertasse em você um sentimento diferente, sensações que você não controla..
Algo diferente de irmandade, paixão ou sei lá o quê... Você se protegeria da sua necessidade de estar perto desse alguém?
Elilson diz:
Nossa, que coisa difícil.
Calma...
Bruna diz:
É, concordo. (Risos)
Elilson diz:
Depende da situação, guria.
Há coisas que a gente sente e nem pode pôr em prática, por que às vezes a vida nos coloca em margens totalmente distintas.
Mas, o que ocorre hoje contigo para fazer essas perguntas?
Acredito que poucos sentimentos meus foram "descontrolados".
Na maioria das vezes o que pensei ser paixão ou início de paixão, eram desejo ou admiração que me confundiam e me faziam querer precisar beijar tais pessoas ou ter que pensar nisso.
Bruna diz:
É muito difícil ser bom, fazer o bem...
Respondendo a você: deve ser crise existencial minha... (Risos)
Elilson diz:
(Outros Risos)
Normal...
Mas, a senhora fazendo essas perguntas a alguém tão equilibrado existencialmente...
Bruna diz:
(Risos)
Por isso mesmo!
Você deve ser bem normal por se questionar tanto.
Tenho medo quando acho que tá tudo bem.
Elilson diz:
É...
Bruna diz:
o que deixaria tua alma suja?
Elilson diz:
O auto-martírio, o rancor.
Bruna diz:
Ler-te me faz bem, sabia?!
Elilson diz:
Mas, acho que é isso...
O apontamento alheio deixa a alma suja, pois todos os dedos são sujos ao apontar.
E também a falta de algo que não tem nomeação, deve ser isso.
Bruna diz:
Você não exerce toda a sua potencialidade de melhorar tudo ao redor e você mesmo?
Elilson diz:
É provável que não... Como assim?!
Bruna diz:
Por que?
Elilson diz:
Essas coisas são ruim de explicar, porque são difíceis de perceber. Você percebe?
Bruna diz:
Não sei...
Parece que, sabendo que a gente pode fazer mais, nada é suficiente.
As pessoas é que enxergam isso pra gente. Reconhecem, tranquilizam.
Quando isso não acontece: vazio enorme.
Elilson diz:
É verdade...
Aí está chovendo?!
Bruna diz:
Aparentemente, não. E aí?
Elilson diz:
É...deve ser apenas impressão dos meus olhos...

Solidão em Haicai*

Ânsia arquejante do meu peito.
Querer pulsar...
Unido.

*Estética poética proveniente do Japão, onde o texto consiste de 3 versos com 17 sílabas.

Seção: (Re)postagens no Filosfia.
Postado originalmente às 17h25 do dia 21 de julho de 2009.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Rua 7 Cores

Os felinos em abstinência do miado:
E o ato se pôs no silêncio.
Nas brechas das grades
Entoei meu olhar.
Um a um dormiam os gatos.
Cada um em seu ponto,
Formavam um polígono irregular,
No amplo pátio.
Simplesmente despercebidos
Enfatizaram-me com sua organização
Que me deteve a ação.
Até que o ponto de luz se acendeu
E ao meio deles pude ver
Uma minúscula ave partilhando a calmaria
Que cobria a rebeldia da cadeia alimentar.
E na mesma rua Sete,
A parede rudimentar
Que lamentava os oprimidos
Enfatizava então o brilho dos nobres
Felinos.

Seção: (Re)postagens no Filosofia
Postado originalmente às 14:11 do dia 18 de Junho de 2008.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Harmonia

Quero me entregar aos teus pingos.
Fazer-me devorado por tua magnitude singular.
Sentir o meu peso ser aliviado por teu minucioso e suntuoso toque.
Cobrir minha mente com um enfoque de bênçãos da tua granulometria líquida.
E, então, lamber-te em tua ausência de sabor.
Graciar-me com a sensação de liberdade eterna que a todos tende a oferecer.
Anseio que coloques sensação vital em minha espinha, que retires o recalque desvirginado.
E tu me darás uma natural licença poética exigida por Adélia.*
O que ainda faço na coberta, se tu, harmônica chuva, me convidas a constante inquietação de teus limitados e ásperos passos?

*Faço referência ao texto "Com Licença Poética" de Adélia Prado.

Seção: (Re)postagens no Filosofia.
Escrito originalmente no dia 1 de Julho de 2008, postado às 11:26.
Não dedico essas palavras a nenhuma paixão, quero dedicá-las a chuva e tão somente à poça de água que foi o ponto de partida para a fabricação desse texto que tanto amo.

sábado, 2 de janeiro de 2010

[Re] Postagens no Filosofia

Caro companheiro, de Pernambuco ou de Moçambique, você que vez ou outra acompanha minhas confissões e meus devaneios nesse blog, não se assuste se ao ler algumas postagens que farei, sua memória apontar que já conhece tais letras.
Por motivos pessoais, quase profissionais (rs) e displicentes, tive de delatar desse espaço tão pessoal e público alguns textos. Acredito que são cerca de cinco introspecções. Guardei os comentários em algum CD que hei de encontrar por esses novos dias de Janeiro, tenho fé!
Se precisar, em 2010, apagarei alguns posts e depois (re)postarei-os.
Sei que já fiz um post antes desse, mas nunca é tarde para desejar um novo ciclo repleto de Harmonia, Luz, Sucesso, Saúde, Energia e Filosofia e Introspecção para todos nós.
Que não esqueçamos que a Literatura, assim como todas as Artes, independente de conceitos e avaliações é uma linguagem universal que une a todos nós. Se consegue nos atingir já é um outro papo, mas o fato de corajosamente escrevermos é algo relevante.
Um abraço, nos esbarramos por essas próximas linhas.
Feliz 2010!

Resíduos.

De frente a esse vidro manchado,
Não estou pintando a cara
Nem estou devorando meus traços.
É o silêncio que me guia,
Guia o meu corpo sentado.
Apenas há uma brisa melancólica
Que respinga a minha nuca.
Quatro paredes que cercam
A visão que tenho de mim mesmo.
Talvez esses fungos no espelho
Sejam uma miragem dos meus olhos.
Olhos que admiram suas próprias,
Suas adultas e viris lágrimas.
Admiravelmente incolores.
Talvez esses fungos no vidro,
sejam mais a minha alma.
Que nem se conhece aos detalhes,
Que nunca é centrada em si.
Esfrego espumas no reflexo,
Mas os fungos ganham ampliação.
Qual o sabão que limparia
A sujeira da minha alma?