domingo, 27 de dezembro de 2009

Menina de Ouro

Ana Laura é a filha mais elogiada da rua. É uma artista descoberta por poucos. É inteligente, sensível, autêntica e às vezes arrogante.
Rodeada de agitação, Ana Laura prefere mesmo o isolamento. Isolamento em meio público. De alguma maneira isso é atingível para ela. É uma jovem de atitudes contidas. Seu distúrbio é o gosto pelo perigo.
Nunca planeja, mas sempre que acontece é como um delírio cinematográfico. Ela assume uma personagem que não conhece, às vezes apresenta-a como Amanda. Amanda assume o lugar de Ana Laura quando esse furor interno toma conta das reações de seu cérebro e das ações de seu corpo. A entrada de Amanda em cena tem como clímax a busca pelo perigo.
Ocorreu pela primeira vez quando ela ainda tinha uns 14 anos. Estava sozinha na parada de ônibus, mas ainda era cedo. Um carro cor de vinho diminuiu a velocidade, o motorista baixou o vidro e secou a menina da cabeça aos pés. Era uma mulher atraente. A mulher deu partida e em poucos minutos estava lá de novo. Já estavam no ponto mais uns 3 pedestres, mas Ana Laura respirou nervosa, andou alguns passos e tremendo abriu a porta do carro.
Ela se apresentou como Amanda. A mulher, loira e aparentemente saudável, deu voltas pelas ruas da cidade, enquanto elas conversavam sobre suas vidas e se tocavam. Até o momento em que Ana Laura pediu para descer num impulso imediato. Nunca mais se reencontraram.
Ana Laura resistiu até completar 16 anos de idade, quando a ânsia pela sensação de perigo voltou. Retornou a frequentar o mesmo ponto de ônibus, como se na rua houvesse quatro paredes cercando ela, sua ânsia e o próximo automóvel desconhecido. Ela aceitou caronas de homens e mulheres. Mulheres foram apenas duas. Os homens se insinuavam com mais frequência. Ela não era como uma prostituta. Não buscava sexo ou dinheiro. Talvez ela fosse como uma prostituta psicológica. Aquela sensação de negligência com a própria vida, de objeto de crime e de ilegalidade lhe davam minutos de glória. Ela podia ser quem quisesse. Num dia tinha 19 anos, no outro era potiguar, estudante de publicidade, bailarina...
Não havia limites no seu perigo, exceto o cuidado que tinha em relação ao sexo, talvez por ainda ser virgem, como dizem. Era claro para Ana Laura o único interesse daquelas pessoas e ela deixava que lhe tocassem um pouco. Suas mãos raras vezes faziam o mesmo. Esse aspecto sexual era parte crucial da sua loucura secreta.
Semana passada eu a vi na mesma parada segurando um livro e destampando e tampando compulsivamente uma caneta estereográfica. Um homem parou o carro, seu ônibus vinha logo atrás e ela recusou a gentileza.
Agora, Ana Laura está na cozinha de sua casa, lendo poemas e deglutindo as sobras da ceia de Natal, pensando em sexo e querendo que ninguém imite sua loucura particular que há tempos não entra em cena.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Dias de Maioridade

Se cheguei até aqui, devo pois comemorar. Render-me ao samba que a vida propaga. Deixar o meu corpo cair de bamba no gingado do ar.
Anunciem aos cantos a minha passagem. Joguem luz na entrada desse ciclo. Celebro dias de maioridade, os primeiros. E se por um acaso subirem ao Morro, incluam os meus caminhos em suas preces à Conceição.
8 de Dezembro. Uma película que se projeta na frente dos meus olhos. Respiro alegria. Agradeço aos céus a oportunidade de confirmar a vida.
Agora estou adulto para o mundo, mesmo que o tenha sido sem nomeações por inúmeras vezes abaixo dos Dezoito. Sinto um frio no dorso ao pensar nos dias que virão ao mesmo tempo em que alcanço mais um digno passo na pirâmide de vidro que desenhei aos 7. Maioridade é mais um título que inventam. Mas, já que não tive uma oportunidade clara de apresentar-me como criança ou jovem, permita-me que me coloque como Adulto.
Prazer, sou um adulto que vive um mundo mágico no banheiro. Sou um adulto errante que andarilha introspectivo pelas ruas da cidade. Sou um adulto que vez ou outra se levanta na madrugada e vai dormir na cama dos pais. Sou um adulto que cultiva solenemente a nostalgia. Sou um adulto de alterações sentimentais, um adulto que talvez não cruzará com o aspecto linear, graças aos céus! Resumindo, sou um adulto que habita o território da melancolia, mas que ama viver, ama tagarelar e gargalhar no dia-a-dia. Se continuar essa apresentação, acabarei me limitando aos seus olhos e aos meus, pois há inúmeras coisas que ainda não sei sobre mim, mas o que conheço é sólido. Firme que nem minha personalidade.
À medida em que vou cruzando os degraus da pirâmide de vidro, minha pele vai ficando mais apta, vai adquirindo força. É nítido que os termos que irei adquirindo nem trarão tanta diferença. Nesses primeiros dias como Adulto, sou o mesmo jovem, o mesmo Menino. Não o mesmo, melhor dizendo, sou Renovado e assim continuarei.
Não vou separar os argumentos que estão nas minhas mãos espalmadas dos empecilhos nas solas dos pés. Não irei esquivar o doce labor que poderei sentir num passo, do amargo tédio que poderei encontrar no outro. Quero ter a graça de fazer da minha voz, do meu olhar, do meu corpo, da minha mente instrumentos de Luz, de Sensibilidade e de Arte. Necessito criar os meus compassos. Ser um agente pela Arte.
Há uma grande estrada a ser escrita, seja minha vida curta ou longa, vejo que a estrada é grande. Há incontáveis almas a serem lidas e reproduzidas.
Acolham-me, então, nessa nova fase do ciclo. Abram a roda, aumentem o volume da música e arriscarei alguns passos bambas nesse samba melódico, batucado pela vida.

Canto de Atores-Lavadeiras

Lava a Alma
Que a Alma é mais suja que a Carne.
Lava a Alma
E purifica alguma parte.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Caros Cidadãos brasileiros,

É notório o espírito de caridade e sensibilização que caracteriza a maioria de nós, no fim de ano, devido a toda uma tradição cristã que permeia as comemorações natalinas.
Este que lhes fala quer agora ressaltar algo que é nítido, mas que passa por nosso "esquecimento": fome, miséria, desamor, fleuma e tantas outras chagas sociais estão presentes ao nosso redor 86.400 segundos diários, por 365 dias e não apenas no Natal. É bem verdade que, num caótico dia-a-dia como o nosso, findamos por não enxergar mais o outro. É preciso ver além de olhar. Nossa visão em geral é opaca por nossos preceitos, mas deve ser claro o absurdo abismo social que só aumenta entre a maior parte de nós e os que vivem à margem, não é verdade?!; então, por que só praticar solidariedade no fim de ciclo?
Percebendo tudo isso fica evidente a nossa hipocrisia social-cristã. O que vivemos, na verdade, é um Natalismo: o advento diário do capitalismo que nos faz indiferentes a toda essa problemática.
Devemos partir para uma ação diária: lutar contra a fome e a desigualdade a cada amanhecer, numa trilha de passos unidos: eu, vocês e os que, infelizmente, estão à margem, pois todos nós somos população, todos somos seres humanos, e sermos homo Sapiens Sapiens mais que nos une: nos deixa num patamar de igualdade que inexiste na vida diária.
Fraternalmente, e que não seja apenas no Natal,
Elilson Gomes do Nascimento.


Carta argumentativa escrita a partir da proposta da verificação de redação do colégio no dia 17/11, às 14h18, aproximadamente.
Imagem pega no Blog "Metaphsysical Poet".

domingo, 8 de novembro de 2009

Exercício Cênico


(Para Hermínia Mendes).

Estava de costas com a vista grudada na imensidão branca da parede. Exorcisava os anjos da minha mente, limpava qualquer brecha de inquietação. Buscava uma neutralidade nos pensamentos. Enxugava os resíduos de música, conflitos, imagens. Preparava-me para conceber esse encontro inusitado. Não sabia quem ou o que iria cruzar esse caminho, mas tinha razão de que quando me virasse já estaria ali. Alguém ou algo. Da mesma forma que tinha noção que seria o único Observador. Um observador também invisível.
Inalei o ar, sacudi os ombros e me virei de uma só vez. Fixei os meus olhos no canto mais à direita e lá estava Ele.
Desdenhando de tudo que pudesse estar a sua volta ele limitava suas ações a manusear os cardaços de seu All Star vermelho.
Do meio daquele asfalto cinza e inabitado eu o observava com cuidado. Não queria interrompê-lo nesse momento de afastamento da balbúrdia. Quem seria ele? Como chegara ali? Nem me perguntem o seu nome, pois a experiência não me deu tempo para ousar em perguntar, o que seria tolo, já que ele certamente não me enxergava. Mas, ele poderia ser Tiago ou Honório ou Leandro , quem sabe poderia ser mesmo Elilson ou até João Paulo. Dê a ele o nome que sua alma apontar.
Debruçado por seus joelhos, ele ia cessando a relação estabelecida entre seus dedos esquerdos com seus sapatos
Ao seu lado tinha uma grama úmida e do outro um bueiro destampado. Sem muito esforço ele conseguia saborear aquele cheiro de verde e terra molhada (e acredito que eu também possa ter sentido). Na verdade batia em mim uma vontade de seguir os seus atos, como se fosse representá-lo. Mas meu dever era observá-lo e apresentá-lo para assim perder a exclusividade de vê-lo.
(Você já consegue começar a vê-lo?!)
Ele ergueu seu rosto. É um belo rapaz. Por um instante seus traços pareciam já estar em meu cérebro, mas bastou que eu respirasse um pouco, uma única vez, para que tudo fosse inédito novamente.
Fazendo curvas em seu pescoço com os dedos ele começou a soltar risos. Os risos que transbordavam do vale sombrio das águas que escorriam em sua face.
Sua expressão insinuava carência. Mas não tinha nada ou alguém perto dele para assisti-lo nessa carência.
Concertando o penteado, ele quis estreitar o contato com aquela grama. Existia por entre as folhinhas encharcadas um lodo. Assemelhavam-se a um tecido, quero dizer que a grama tinha uma textura, uma leveza que era boa para as mãos. Parecia pelúcia. É isso, pelúcia. Talvez aquela criatura singular nunca tivesse tocado em pelúcia antes. Era nítido que ele gostava daquela descoberta. E foi debruçando parte a parte do corpo naquela grama-pelúcia.
Seu corpo já estava suavizado, pois seu interior devia estar mais tranquilizado. O nada era Tudo naquele momento, naquele lugar. Toda a tensão dele (e minha) já inexistia.
Deitado, sua face ficou mais próxima ao bueiro que lhe fazia companhia desde de que o avistei. Era um ponto importante naquela miragem, mas que perdia um pouco da notoriedade natural que teria por conta da imensidão que tinha aquele rapaz. Mas vez ou outra os seus olhos cerravam aquele bueiro e me levavam junto a observar também. Em alguns segundos pensei que ele fosse pular naquele buraco ou tentar se encontrar dentro dele, por conta da forma fixa que olhava ao ponto aparentemente seco e obscuro, apenas.
Assim, ele encaminhou minha vista às raízes frágeis, porém verdes e vivas, que sambavam das beiradas daquele bueiro. Talvez renasciam do esgoto, mas nem aparentavam ser profundas.
Ele manuseou as folhas que surgiam do bueiro. Logo as soltou e encostou os lábios no ante-braço direito.
O vento que balanceava seus cabelos também entoava uma canção de ninar. Acredito que era disso que ele precisava, que buscava ali (e talvez eu também buscasse, e você também vai buscando?!): pelúcia e canção de ninar. Bucolismo urbano.
-Ok, já deu. Ótimo, eu pude ver tudo.
A doce voz me trazia de volta ao nosso ofício.
Não pude me despedir dele, pois nem pude me apresentar. Seria demais interromper a sua fuga. E ele estava sendo a minha fuga. Porém, ao retornar, as raízes do bueiro foram a última coisa que eu vi.
Provavelmente, foram Elas, e só Elas que eu via o tempo todo.



Essa experiência surgiu de um jogo cênico proposto pela minha diretora/amiga/companheira de Filosofia e Introspecção, Hermínia Mendes, em um de nossos ensaios.
Ilustração de Dayse Ramos (ou Xiinhah, para os mais chegados).

Ah, se você tiver a vontade de comentar, responda-me uma coisa: qual o nome que sua sua alma apontou para Ele?
Até a próxima.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Bipolaridade

No quintal, sentado na corda-bamba do muro, num impulso de coragem imprudente eu encarava a altura. Aqueles metros debaixo de minhas solas seriam capazes de uma breve pintura psicodélica com meu sangue.
Por cima desses morros entediados de discriminação é fantástico ver o sol nascer no horizonte de Olinda. Na magia que só a madrugada oferece.
É a fantasia de estar dentro de si. Uma digna solidão sem ruídos. Até o ponto em que os felinos absorvem a atenção. E isso só se procede quando os meus cães ladram em demasia.
Os gatos fazem meu telhado de motel. Parecem atores-dançarinos. Levam-me a um espetáculo da Broadway. Eles executam um musical burlesco ao mesmo tempo em que seus passos parecem improvisos jazísticos e as ondulações de suas caldas assemelham-se à minha alma que experimenta um Blues no piano. A melancolia de uma nota só. Que é tão hermética quanto o meu consciente. Minha consciência hermética, prolixa, sensível, desvairada em devaneio suave e que não enlouquece.
(Existe algo dentro de mim que não cabe nesse corpo jovem).
E eu nem percebo mais os gatos. Não quero que alguém acorde e me veja nessa insanidade frequente. Isso é um segredo selado pelas horas.
Deito-me na cama que nem é minha e vejo os raios começando a colorir as telhas. Um monólogo que só eu vejo. Esse peito carregado do que não tenho palavras para descrever ou entender, entra em chamas com essas palavras soltas sem nexo, construídas em pedaços que sonham constituir um texto, um verso, um devaneio.
Escrever tem sido o esconderijo quase perdido. Você não vê que eu venho perdendo a expressão?! Essas expressões, essas misturas que lambem Arte, que me fazem arte, ator, Morte!
Escorrem sem fio condutor. Mas esse Rio formado em meus olhos dispensa o nexo.
É invisível a necessidade de querer me organizar. Não há uma organização em mim. O que existe são órgãos ao sabor do vento e esse Organismo frágil e firme.
Não tenho sede de Água. Nem sinto vontade de me nutrir. Quero digerir as horas. Trancafiá-las no meu armário de portas escancaradas. Preciso realizar essas imagens de felicidade que meu cérebro fabrica no banheiro.
Não nasci para andar de queijo caído por conta da imagem transviada por eles. Esses poucos, esses tantos que me pisam, que eu piso?!
Essa certeza de morte prematura é que me angustia. Já pode ser tarde para iniciar um tratamento, pois sinto gozo em desfrutar dessa melancolia ácida. E nem é preciso um diagnóstico para o que é claro no escuro. Mas é tão nítido quanto o meu amor em poder respirar. Amor.
Contudo, eu visualizo formigas e suas colônias em minha pele. Desde criança essa certeza óbvia se antecipa em meus latejos cranianos. Das veias até os cabelos. Do cóccix até o pescoço. Dos dedos até o cerebelo. Existem códigos. Enigmas de múltiplas faces de um único rapaz. Um rapaz que é um Homem guiado por seus sonhos e um Menino que requer acalento. O menino e o Homem estão gladiando nesse corpo filosófico. Nessa mente apolar, multipolar, certamente bipolar. Bi.
É o bi-bi-bi descompassado desse coração angustiado pelo que está imerso em cores neutras.
Uma onomatopeia distinta interrompe esse rascunho de vida. É o meu amado e ébrio pai que me ensina a abrir o cadeado do portão. Esse cotidiano cheio de portas.
Deve ser mais notório que eu tente dormir novamente. Ora durmo demais. Ora madrugo demais. E nesse jogo barroco não existe mais um planejamento.
Meus impulsos estão me guiando a tentar deixar ao menos uma marca relevante nas pessoas. É tempo de romper e principalmente recuperar laços.
Amanhã já acordarei Outro. Terei de destrinchar os mistérios e acalentar esse novo Outro. E ninguém perceberá, o que é bom.
Já que em mim o relevante beira o ser irrelevante. Mas, creio que serei uma memória que renderá boas coisas.
Na contra-dança dessa inconstância é pela solidão sem despautério que eu sigo em frente.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Maiúscula e Singular.

Lembro-me perfeitamente de uma certa madrugada no ano de 2000. Não conseguia dormir e escondido de meus pais ligava a TV. Uma certa cantora dava vida à música "A Carne". Aquele timbre único, aquela expressão ao cantar ficaram marcados em minha mente.
Anos depois, em 2007, lágrimas de vibração caíam dos meus olhos ao assisti a abertura do jogos Panamericanos no Rio de Janeiro. A mesma e digníssima Elza Soares emprestava sua magnífica voz ao nosso Hino Nacional em capela. Tudo que ela interpreta torna-se naturalmente um Hino. Mas nunca senti tanta emoção em entoar ou ouvir um de nossos maiores símbolos como naquele dia.
No Carnaval de 2008, a euforia me dominava ao saber que ela e Marisa Monte iriam ser responsáveis pela abertura do Carnaval Multicultural do Recife ao lado dos nossos admiráveis Naná Vasconcelos e Lia de Itamaracá.
Quando vi aquelas pernas suntuosas descendo as escadas do palco no Marco Zero meu peito disparou, mas não se comparou a quando sua voz começou a soar por todos os cantos.
Depois dali, Elza fez um espetáculo no Clube das Pás, mas por ser menor de idade não pude ter um gozo cultural naquele dia.
Mas, ontem, finalmente, pude ter a chance de conferir um espetáculo inteiro da maior expressão artístico-feminina desse país. Cada palavra, cada frase, cada olhar, cada sapateado, cada pose ousada, cada nota dada hipnotizavam minha mente naquela cadeira do Teatro do Parque. E que lugar privilegiado! Cheguei às 15h, para o evento que iniciou às 18h30 com a deliciosa Monica Feijó. Logo tratei de escrever algo singelo com a esperança de entregar nas mãos da própria Elza.
Fiz amizades com agradabilíssimas Senhôras e alguns atores. Foi um dia como nunca tive. Da mais pura harmonia.
Pouco tempo após Elza dominar e radiar de luz aquele palco, não pensei duas vezes. Estava tão perto dela, decorava cada detalhe de seu rosto, de seu corpo, de sua dança que não poderia perder a oportunidade. Ergui-me do assento e estendi a mão direita trêmula com o meu manuscrito. Após 5 esplêndidos segundos de almas se cruzando em olhos, Elza atendeu meu pedido. Voltei a sentar feito uma criança boba.
Sem dúvidas, foi o melhor espetáculo que já vivenciei. Aquilo não é uma voz, é um baita Instrumento. Não há ninguém como ela. São mais de meio século dando sabor, intrepidez e alma à construção da história da Música Popular brasileira. Uma menina com mais 70 anos de vida, num escultural corpo de 20 e uma alma que é mais jovem que qualquer outra.
Se ela não mencionasse à plateia que infelizmente estava com uma altíssima febre, ninguém, nenhum de nós perceberíamos. Pois era energia e voz para dar a vender. Uma vitalidade no palco que pouquíssimas cantoras jovens têm. Sem falar no carisma e simplicidade da "Cantora do Milênio", eleita em 2000 pela BBC de Londres.
A menina negra que casou aos 12 anos. Que reconhecendo a potencia de sua própria voz se arriscou em ir em busca de espaço para conseguir alimentar os filhos. A jovem mulher que carregava lata d'água na cabeça dentre os morros cariocas, que logo alcançou seu digno espaço, que conheceu e foi admirada por lendários como Louis Armstrong e Ella Fitzgerald, que foi cruelmente humilhada e perseguida pela suja imprensa do Brasil por ser uma mulher ousada, intrépida, singular, que teve de enfrentar sempre o preconceito é simplesmente a personificação da Arte nos mínimos detalhes.
É belo admirar sua força. Uma mulher humilhada, que perdeu o grande amor, Garrincha, de forma avassaladora e anos mais tarde também o único filho que teve com ele, distanciou-se do segmento auto-destrutivo de muitas outras cantoras em nome de seu exímio Dom. Como a mesma dizia: Canto para não enlouquecer.
Ontem, foi um momento maravilhoso e único. E como se não bastasse toda a magia das performances, na última música, Elza voltou radiante e após pegar na mão de alguns fãs, veio em direção a mim, e minha mão suava frio exatamente como está suando agora. Eu segurei delicadamente em sua mão e a beijei tentando exprimir as palavras que eram impossíveis de sair. Então, a Generosa e Grandiosa Elza abaixou-se e me deu um lindo abraço e eu debruçava meus lábios em sua face enquanto ouvia seu sussurrar: "Eu li".
Foram segundos inefáveis que com certeza marcaram minha vida. Não conseguia falar alguma coisa. Depois do espetáculo encerrado todo mundo percebia minha euforia ao me ver saltitando pelo espaço, como uma criança que ganha a primeira bicicleta.
Que humildade tem nossa Maior e Melhor intérprete! Acredito que todos nós devemos ter um pouco de Elza em nossas almas. E que continuemos a Ovacionar e ovacionar "a única e somente e que nunca haverá outra igual", E-L-Z-A S-O-A-R-E-S.

domingo, 4 de outubro de 2009

Interlocutor do Amor Alheio

Com o meu pescoço curvado, observo cada gesto que involuntariamente executo com minhas mãos entrelaçadas, pois de alguma forma, nessa minha visão turva, estou te olhando.
Ter o meu pensamento dominado por você é uma junção das coisas que mais amo e que mais odeio. As constantes gargalhadas estampadas em meu rosto, escondem cuidadosamente essa angústia que há em minhas entranhas.
Desde aquele primeiro instante, em que minha pré-adolescência se cruzou com teu jardim de infância, essa novela mexicana teve início.
São anos de martírio desnecessário, mas cada parcela de tempo que posso estar junto de seu corpo, quando tenho o meu território invadido pelos teus pés reafirmo-me nesse complexo devaneio da desilusão.
Somos como dois planetas distintos ocupando a mesma área num sistema, prestes a constituir um novo big-bang. E eu já deveria ter concordado com a vida, que nos entregou de forma adversa, mas é verdade que desejo até que você esteja sempre só.
Meus ciúmes refletem o medo de perder o que nem é meu. Por que é que Deus criou o sentimento? Queria que ele pudesse descer até aqui, nesse banco gélido, e me explicasse a razão, apontasse-me uma saída.
Porém, você acaba sendo sempre a minha saída, visto que nesse drama que desnorteia, sou um masoquista declarado e você é a instituição da minha tortura.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Espelho Cíclico



Durante um longo período em nosso país, onde reinam intolerância e impunidade, as pessoas idosas foram duramente esquecidas pelo Estado. Os anos 2000, chegaram como um brotar de esperança a essa significativa parcela populacional, através da implementação de políticas públicas mais eficazes e, especialmente, pela vigoração do Estatuto do Idoso.
Numa sociedade como a nossa, em que a noção de direitos se perde em meio à banalidade da justiça e que viver implica num exercício de tolerar adversidades, acaba tornando-se fundamental leis que atendam às vulneráveis minorias, como é o caso da pessoa idosa e de seu Estatuto, que além de oferecer direitos óbvios serve para minimizar e controlar o amplo desrespeito que sofrem os idosos, que não só no ambiente doméstico, são também vítimas fáceis na vida urbana através da ação de bandidos, da imprudência de certos funcionários do transporte público e da falta de valores da juventude atual, que simplesmente se esquece do amanhã e "escanteia" quem tanto já fez pelo país.
Fato é que nos últimos anos a população vem tendo cada vez mais uma maior expectativa de vida, ou seja, os jovens de hoje provavelmente chegarão facilmente à terceira idade. O lamentável é que não há por parte dos jovens, em sua maioria, uma consciência de respeito ao exercício dos direitos dos idosos, o que acarreta numa "desgarantia" ao seu próprio (e próximo) futuro.
Assim, nessa vida que é eternamente cíclica e que se procede como num "dejà-vú" diário, a nossa juventude deveria perceber a dádiva que há em ter uma bagagem de décadas na vida e respeitar as pessoas idosas enxergando nelas um digno espelho do seu amanhã.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Retalhos


Minha casa está vazia. Os móveis e retratos ofuscam poucas frestas de luz. Tudo gira em foco preto-e-branco.
Passo os dedos nos lábios, a boca está seca. Consigo beber alguns goles, mas minha língua continua áspera.
Saio até o quintal, corro desvairadamente com meus cachorros, da mesma forma que amava fazer quando tinha oito anos. Logo um cansaço bate. Na última volta minha testa é cortada por um fio de náilon. O sangue nem pinga, endurece feito um ferimento no asfalto. Retorno ao meu vazio. Uma latência gigantesca toma conta do meu corpo. Nenhum barulho consegue chegar aos meus tímpanos. É um silêncio precioso.
Recolho uma muda de roupas, apanho uma toalha no varal. São 16h e no alto da cozinha se emite uma luminosidade negra. Entro no banheiro. As roupas deslizam em minha pele oleosa. Deixo a lâmpada apagada.
Do chuveiro, vejo-me perfeitamente através de um caco de vidro solto na parede oposta. Enxergo medo e angústia, sonhos e amor. Uma aparente sensação amarga. Solidão sublime. Encosto as narinas em minhas mãos, sinto cheiro de espírito jovem. Seria a introdução a um nirvana?!.
Um emaranhado de imagens se projeta em meu consciente, chegam a assemelhar-se com rosas brotando num arame farpado repleto de ferrugem. Solto um berro mudo. A água não pára de cair. Egoísmo imediato, nem se quer penso na Mãe, nem se quer crio coragem para desligar o chuveiro. E esse momento se torna único. Tudo retrocede e transpassa. Minhas mãos quase limpas vão decifrando meu corpo sujo. Meu cabelo está encharcado, minhas sombracelhas ásperas não protegem mais nada.
Inclino minha face fazendo com que a água sufoque meu ar. Meu corpo titubeia e quase cai. Repito tal ação algumas vezes. Descubro que a tal apnéia é mais excitante que cheirar éter, bem mais alucinante que sugar uma planta, talvez tão prazeroso quanto exaltar Baco* no Velho Recife.
Percebo-me mais leve. Enxugo a minha matéria. Visto uma nova roupa. Sento-me no meio da sala.
Fecho os olhos e estou no refúgio da Rua da Aurora. Tão longe de casa, tão perto da vida. Deito o meu corpo magro no chão limpo da Cidade Cinza. As folhas secas fazem sincronias. Os carros não passam. A beleza marginal está inabitada. O vento direciona o meu olhar até uma alta placa de sinalização. Ela balança desnorteada como uma palavra dita sem cuidado, feito uma bailarina bêbeda sem platéia: exatamente igual a como estava a minha alma. Vomito. O concreto histórico arranha minhas unhas. O sol bate com cuidado nos meus olhos. Ergo-me e percebo que nem é tão ruim assim.
Sento-me no meio da sala. Afago minha cadela. Faço um braseiro sem chamas com o isqueiro. Na vitrola ecoa em volume ambiente "Non, je ne Regrette Rien", o hino de Piaf. Suspiro duas vezes e solto risos bobos. Tenho de estudar algo, retorno a rotina das horas.
Fundo preto com letras brancas em itálico: aparece o título da obra.

domingo, 23 de agosto de 2009

Como a Literatura Cria Laços

Num feriado consumista de Dia dos Pais altamente nublado era nítido que não seria uma ideia sensata se dirigir até a redenção boêmia e noturna do Recife Antigo, porém algo internamente pulsava um desejo de caminhar, e foi exatamente o que fiz.
Alternativo da cabeça aos pés e carregando nas mãos "Bagagem", deliciosa obra poética de Adélia Prado, cheguei na Praça do Arsenal onde logo encontrei gente conhecida. Foi logo que um Homem aparentemente estranho se comunicou com um amigo meu, Bruno, e a rotineira discriminação me fez assumir postura imediata de receio.
Passaram-se alguns minutos. O mesmo Homem sentou ao meu lado. De um canto tocava o típico "forró de R$1", do outro ecoavam gravações sublimes de Vanessa da Mata. O Homem olhou para as minhas mãos e disse: "Posso dar uma 'sacada'?! Eu também gosto de ler". Entreguei-lhe o livro um tanto cabreiro e sem mencionar uma só palavra.
Bastaram uns oito ou dez minutos para que meus olhos começassem a se inundar. Aquele homem de aspecto maltrapilho, cheiro desagradável, e na cia de bebidas e um outro homem estranho, despiu a minha moral. Empolgado ele me falava dos livros que devora, me fez surpreendentes análises literárias de obras como "O Caçador de Pipas", "Cidade do Sol" e "O Guarani". Impressionado eu ouvia cada frase inteligente sem ousar interromper. A todo instante ele se desculpava por uma provável inconveniência. "De maneira alguma", respondia-lhe com interação. E ele me encantava com sua vida. Me dizia o quanto o cotidiano é cruel quando não se tem oportunidades e se mostrava surpreso com a minha atenção: "Poucas pessoas na vida me deram uns cinco minutos de ouvido, sabe?! Eu ainda sou um homem, mas um dia serei O Homem. Só não tive ainda quem me desse uma mão. Sei que não levo uma vida correta, mas irei mudar". Assim, eu dizia com cuidado a ele que nunca é tarde. E ele continuou: "Mas, me diga, qual é a sua graça?!" Disse-lhe o meu nome e perguntei o dele. O nobre Carlos então estendeu-me sua mão. "Estou sempre nas bibliotecas, mesmo que me olhem por baixo, já me acostumei. E todo dia sempre compro meu jornal, aquele de 'pobre' mesmo, de R$0,25, mas é que eu quero estar informado, para que nenhum outro possa pisar em mim só por ter Oportunidades".Oportunidades...era isso! Aquele homem que vive à margem, que é a representação perfeita do gueto, uma notória vítima do capitalismo ainda se mostrava feliz mediante à sua falta de oportunidades. Nos despedimos pela primeira vez.
Alguns passos mais a diante, nitidamente emocionado eu partilhava ao meu amigo Bruno todo o meu encantamento, contava-lhe sobre a conversa que valia por todo aprendizado que já tive, pelo instante que me fez crescer como nunca antes. Foi só o tempo de Carlos já está ali presente sensibilizando Bruno da mesma forma, incentivando-o a ler mais: "E não é só livro não, é até o outdoor que você vê na rua, a pessoa falando na praça", dizia aquele Sábio fantasiado de Maltrapilho. Nos falou ainda de sua paixão por Cazuza, analisou as composições e mencionou até sua opinião em relação à reforma ortográfica! Depois recordou de sua avó mencionando uma frase que ela lhe contara na infância: "Meu filho, não importa a força braçal de um homem, mas sim a lógica que há na mente dele". Algumas pessoas que estavam próximas achavam graça ao ver dois jovens dando atenção a um provável "bêbado".
Estupefatos, íamos embora lembrando cada filosofia daquele Homem, que obedecendo a gramática ou não, se expressava melhor do que muita gente letrada.
Então, após recusar a insistência de meu amigo em me acompanhar com sua turminha até a Av. Guararapes, temendo ser inconveniente, segui sozinho o meu caminho. Foi aí que ouvi a voz de Carlos a me chamar do outro lado da rua. Vendo que estava sozinho naquele perigo diário, me convidou a atravessar a ponte junto a ele e seu estranho amigo.
E a melhor conversa que já tive na vida continuou com brilho. Logo atrás se aproximavam dois meninos de rua, após repreendê-los, Carlos disse-me: "Não se preocupe, pode andar tranquilo, aqui comigo ninguém vai mexer com você". Assim, continuamos a falar de música, literatura e tudo mais que se expressa por leitura. Ele ainda me contou que tem três filhos e que era eletricista por formação, depois me perguntou curioso quais eram minhas aspirações profissionais, alertando-me inclusive, quanto aos impecílios do mercado de trabalho nas áreas.
A todo percurso, o olhar tenebroso do seu companheiro me dava calafrios. Foi então que sem exitar, ele agarrou o bolso de minha calça. Tive um susto imediato, mas O Leitor logo me salvou: "Enlouqueceu?! Querer maldar com um menino bom desses?! É meu amigo, pô!" O meu ex-quase assaltante ficou para trás e meu novo amigo me acompanhou até o ponto de ônibus. No meio da conversa descobri que moramos no mesmo bairro, que umas tantas travessias nos separam, mas não o confidenciei esse fato.
Ele ficava lisonjeado e irritado quando o chamava educadamente por "senhor", termo que de fato lhe era digno: ele era um exímio Senhor da vida. Assim, ele me dizia que eu seria um "protegido" seu nas ruas, que qualquer problema era só lhe procurar. Achando engraçado, eu o agradeci, ressaltando-lhe o quão iluminado ele é. Ele concluiu: "Iluminado é você. Sua aura é grande, menino. Os seus olhos são verdadeiros e me olharam na alma". Lisonjeado eu guardava cada palavra. Ele, sorrindo, disse: "Quando nos veremos de novo?! Já sei...nunca mais, né?!" Ao que lhe respondi: "Não. Sempre que o encontrar, esteja com quem estiver, pararei para cumprimentá-lo. Estou quase todos os domingos ali, no Bom Jesus". Carlos finalizou: "Pronto, nos vemos domingo, então. Pode me fazer um favor?!" Entusiasmado respondi com um "lógico que sim" dito num fôlego atropelado. E ele continuou: "Me traga um livro".
Após romper todos as minhas barreiras, o abracei me despedindo. Voltei para casa com lágrimas e com a mente bem leve. Contava as paradas para chegar em casa e poder desabafar todas essas palavras sobre uma experiência inefável em minha jovem Bagagem, pois pela primeira vez me senti prática além de teoria, descobri que posso estar num papo requintado numa mesa de bar sobre a encenação do espetáculo tal como também aprender a viver com o escanteado na esquina. Nunca esquecerei aquela noite de 10 de Agosto.
E eu precisava partilhar isso, me dispor a construir essa Epifania, como mesmo nos diz Adélia Prado, pois o meu artifício é escrever. Não me importa se tenho ou terei a licença literária ou poética dos Sapos letrados, pois se minha voz consegue chegar a um outro adolescente na frente de um computador e tocar um pouco a sua mente, estou satisfeito.
Antes que me esqueça: Obrigado, Carlos. Obrigado, Adélia.
Viva sempre a Literatura!

Adieu

O câncer dilacera pouco a pouco.
É uma armadilha cruel do tempo. O Tempo que é traiçoeiro e passageiro.
Abrimos as pálpebras e tudo muda tão de repente, tão arduamente.
A enfermidade depreciou progressivamente.
Mas, não tirou o exemplo, a força, a fé.
Ensinou que a cada abismo há sempre uma fresta firme de sapiência, a quem estava doente e a quem observou com lamento.
O inesperado sempre nos mostra o quanto estamos vulneráveis e o quanto temos a aprender.
Foi doloroso ver o seu estado e comparar com as memórias do recente passado. Contudo também foi de um grande louvor ver a esperança renovada naquele olhar dificultado pelo tumor, naquelas palavras vibrantes e iluminadas ditas com dificuldade imposta pelas chagas.
Mais de um ano de luta. Daqui para frente é o Luto pelo Adeus repentino.
As imagens que guardarei são daquele perfil de patriarca, daquela solidariedade, daquela enorme serenidade. Guardarei também, é verdade, a certeza de que poderia ter feito um mínimo de mais, que talvez fui inocentemente egoísta.
E as suas palavras ecoarão como um grande hino em meu consciente.
Descanse em paz, Grande Tio.

sábado, 8 de agosto de 2009

Ciclo Cromático


Minha lânguida face transposta ao espelho.
O que mais enxergo é o rastro da noite.
Eterna e úmida, necessariamente sem ponto.
Que se perde e se busca na leitura da Bagagem.
A minha alegria é negra.
O meu silêncio é claro.
Minha agonia é incolor e minha intrepidez já é ferrugem.
Paralisando imagens, removendo vírgulas.
Entregue ao acaso como um poste.
Mas, renovando sensações feito um rio fluente em águas translúcidas.
Apenas retendo os rumores.
Recolhendo escândalos em azul-neutro.
Montando uma semi-aquarela
da Solidão.
Que retrai e instiga.
Se camufla no sorriso forçado,
de quem quer vencer, amar e provar.
Provar-se. Cromaticamente e pincelado.
Simplesmente alçar a Paz Lilás.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Mariz


É um protótipo imperfeito de doçura.
Uma boneca malcriada de sensibilidade primorosa.
Suas expressões me remetem a um quadro gótico, mas seus olhos inesperadamente me revelam candura. Ela tem um suave veneno, que vez ou outra me ponho a querer provar com os olhos e com os ouvidos.
Demonstra uma firmeza que a faz parecer proveniente de Marte, como mesmo significa o seu nome.
Suas ações são calculadas. Não há nada de exagero. Seus sorrisos, suas lágrimas.
A maioria sente apenas um lado azedo. Eu sinto mais além.
Ela é como uma poesia ultra-romântica: nos deixa ébrios com seus paradoxos, contudo é imersa de emoção. Emoção levemente contida, é bem verdade, mas basta ver o olhar que ela destina à sua amada, vale somente que ela recite um poema com sorriso estampado e olhos brilhantes que essa singularidade fria transborde aos que estão em seu redor.
Consegue ter uma visão de mosca acerca da sociedade com incríveis pitadas de humor negro.
É uma fragilidade encapada de soberba, ela é bem mais que um modelo de cultura: é um mistério imposto aos que ousam cruzar os seus dias.
Ela é um desses personagens confusos a quem desejo que permaneça nas minhas linhas diárias.
Mas, dela, eu ainda não sei quase nada.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

A vida em amargo e púrpura.


São milhões de dados. Buscas incontáveis. Homenagens sem limites. Euforia desmedida.
Michael Jackson na esquina. Michael Jackson no meu quarto. Michael na cozinha, no banheiro. Michael está no ônibus, no metrô, nas tantas variedades de telas.
Passarão os anos e esse surto de comoção irá ser acalmado. Mas, não ocorre nada hoje que seja anormal.
Estamos falando do homem que mais vendeu discos na história.
Nunca fui seu fã, seu seguidor, talvez porque cresci em meio à sua contínua decadência. Porém, sempre reconheci o valor que teve na expansão da cultura ocidental. Ele representou muito bem as facetas capitalistas, mas e daí? Quem não é capitalista? Seu talento é algo inegável. É, pois nunca morrerá. Suas obras de arte permanecerão vivas.
Sua morte causou em nosso cotidiano um estado repentino de inércia. Desde que nascemos vários nomes começam a rondar por nossos ouvidos e a se fixar em nossa mente. Sem querer fazer comparações improváveis, no auge de nossa primeira maturação estamos cercados de vozes que ecoam aos cantos: Jesus Cristo, Madre Teresa, Lady Diana, John Lennon, Elvis Presley, Roberto Carlos(em nosso país), Madonna e muitas vezes: Michael Jackson.
É como se uma parte extremamente relevante do mundo, da cultura tivesse desaparecido.
Ele foi a representação clara de uma vida feita por antíteses. Daria uma boa obra barroca. Do glamour mundial a lama na solidão. Dos Grammys aos escândalos nos tribunais.
O rei Jackson sempre viveu entre tons opostos. A sua aquarela foi uma mistureba de plenitude e fracasso, de amargo e púrpura.
Foi um alvo fácil do imperialismo da mídia. Foi uma vítima banalizada pela imprensa, que hoje o aclama a todo instante.
O menino negro, pobre e sonhador, que virou por ironias patológicas e do destino um homem branco, milionário e frágil, profundamente frágil. O fato é que sendo "Black or White", o que se via era um homem querendo fazer arte, expondo de forma exímia os seus dons ao mundo. Um homem que era depressivo, que tinha tudo e ao mesmo tempo nada. O garoto que era humilhado e maltratado pelo pai na infância, guardou por 50 anos essas marcas invisíveis do martírio familiar. Foram esses episódios de infância que o tornaram uma pessoa frustrada, atormentada por sua própria alma e altamente viciado em querer torna-se "belo", sim, ele também foi uma vítima dos padrões de beleza que rondam o mundo Pop Star, visto que se considerava completamente "feio" e sempre foi assim, já que seu próprio pai implantou em sua mente tal pensamento desde que era um menino prodígio conquistando o mundo.
Seu legado é algo que permanecerá por entre a efemeridade do tempo. Nossos netos provavelmente saberão quem foi Michael Jackson.
E que tenha vida longa!

terça-feira, 23 de junho de 2009

Cronologia Aparente


Ele que engateia por um sorriso. Ele que murmura entre os lençóis implorando pelo sono.
Ele que mais parece um camaleão: sua versatilidade de emoções é tão desatinada quanto seu amadurecimento em tão pouco tempo.
Ele que derrama "lágrimas pretas na face". Ele que suaviza seu martírio com atitudes manicômicas.
Ele que se prostra diante das formigas. No chão desabitado do Arsenal numa oportuna quinta-feira.
E sente o seu peso lutar contra o chão árido do Recife Antigo. Ele que nunca pára de permear sua alma dentre os oito cantos.
Ele que parece uma junção de personagens incoerentes.
Ele, que calado esconde suas marcas terrenas. Como aquela que ninguém viu. Quando sentiu sua epiderme romper com a ponta de um cigarro. Quando recebeu um jorro de saliva no rosto. Quando levou uma leve tapa nas costas.
Ele tem a marca que ninguém viu, que ninguém vê. A queimadura da mão esquerda que atingiu os poros de sua alma. Que o fez sentir-se desprotegido, fraco. Que o fez pensar em atirar-se na geometria dos ventos.
Por conta de atingir a hipocrisia, de ter coragem de manifestar-se em público, mas fora vítima de alguém que poderia ser seu reflexo, que tinha seus mesmos dedos de vida.
Mas, ele teve de chegar em casa e representar. E correr para o seu oráculo deflagrado. E ter de se contentar com um ódio efêmero e sem forças. E ainda assim, se colocar a suplicar por aqueles pobres meninos violentos.
Ele que carregará a dor de ser presa fácil da opressão. Ele que é mais inocente, malicioso e nostálgico que uma música de jazz.
Ele é admirado. Ele é odiado. Ele é ressaltado. Ele é um invisível ovacionado.

Cronologia Abundante

Clara nasceu num casebre sem janelas na Rua dos Alfaiates Ingleses, nos anos 30.
Migrou a vida inteira em busca de, em busca de quê?
Até que encontrou companhia fraterna. Não teve filhos, mas tem netos.
Teve um ou três amantes suburbanos. Sempre quis ter uma vida boêmia, mas faltou-lhe coragem.
Faltava-lhe coragem para se expressar, para gritar, para correr.
Nunca estudou, porém olhava aqueles inúmeros garranchos alheios com fascinação. Nunca ousara ter grandes sonhos, exceto o de escrever o próprio nome, o de poder abrir aquelas páginas empoeiradas, trancafiar-se em sua latrina e decifrar as frases uma por uma.
Contudo, sempre deixou para depois. Num piscar de olhos, já integrava o clube das lobas que nunca caçaram.
E foi adiando, driblando, tentado esvair-se da velocidade de transição dos segundos e minutos e horas e dias e semanas e meses e anos.
Talvez faltou quem lhe desse um apoio constante, mas hoje suas tentativas de aprender o seu desejo são suprimidas. Pois, ela tentou, mas já é tarde, pois o seu inverno está no ponto mais alto e numa acentuadíssima artrose, Clara não consegue nem segurar um lápis.

Ineffabile

Não consegui resistir o meu encantamento. Não pude desviar meu olhar.
Quão belo era aquele rosto. Quão cândida era aquela pele. Tão suaves eram aqueles olhos cor de paraíso.
Ela se levantou delicadamente. Me encarou de forma única, doce.
Decorei a sua parada, os seus últimos passos. Sentei em sua cadeira, tocando com prazer onde aquele anjo tocara.
Da rua, ela acompanhou-me com um sorriso calculado.
Virei-me a bordo. Suas expressões não saíam de minha mente. Sorria feito um bobo da corte com carta de emancipação, sem acreditar que tivesse sido "correspondido".
Não sei se quer o seu nome.
Se não vier a temer os rumos, irei desviar meu caminho de casa. Entrar e sair das ruas como se tivesse à procura de um tesouro.
Poderia ela causar um milagre em meus dias? Seria ela o ponto de mudança no meu destino?

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Parágrafo de Inverno.

Cavalgando entre o culto e a concepção. Cultuando perigosamente a solidão.
Um antagonismo imediato, a alegria em estar triste, tentar conciliar o pensamento medieval aos parâmetros clássicos. Como um simbolista sentindo no pescoço o quanto dói o Existir. São regras que se repetem, sensações que ultrapassam o tempo e permanecem dentre os dias. Monotonia amarga. Querem impor cláusulas imutáveis até para satira e lirismo. Isso é tão recalcado, é tão século XXI.
E tudo soa como muito barulho por nada. Hoje todos estão iguais perante a noite. Estamos na noite mais longa do ano. É solstício de inverno. O vento vai desenhando em nossos tímpanos. O céu fica resplandecentemente escuro. Correndo pelas pontes velhas. Banhado por pingos torrenciais. Tocando o próprio corpo, como numa frenesi sem limites. A chuva esgota as barreiras, cala o medo e desliza liberdade em minha pele. Eis uma sensação esgotada. Abrir os braços e correr perante o ar, sem se dar conta de olhares, sem sentir nem se quer o barulho inconveniente dos carros. Lamber a pele molhada, pressionar o tecido enxarcado, visualizar o amor idealizado dentre os dedos a deslizar sobre os cabelos.
Época de silêncio, de sintonizar a graça que há no firmamento apagado, nas cores neutras que se espalham por fora das janelas, de ver a lua vencendo o sol, de ver as águas do mar serem saciadas pelos trovões...
Mas, onde estará meu complemento? O que hei de fazer com minha insônia iluminada?
Meu hálito cheira a álcool. Meus olhos entram em despautério.
Do que estava falando mesmo?!

terça-feira, 2 de junho de 2009

Sou meu próprio Dogma

"Rezo todas as noites, pois acredito no amor"
Edith Piaf
De me sentir aprisionado dentro de minha própria alma. Essa é uma angústia que me assola constantemente. A sensação de clandestinidade. O apontamento alheio como se fosse um criminoso se formando gângster na arte de tentar ser feliz, feliz consigo mesmo. Agonia-me o fato de ter que me olhar no espelho e ainda não soar tranquilidade para mim mesmo. Quem me ver por aí, apenas acha que sou um "porra-louquinha" determinado, que não tá nem aí para todos esses preceitos e virtudes. Entretanto, as frestas de luz estão em racionamento. Temo em envelhecer cedo, mas é que são raros os instantes de calmaria.
Ponho-me dentro de um boxe sujo e derramo lágrimas puras que expressam tais tormentos. Sim, pois me repugno contra minha inocência. Confiei pedaços de mim a alguns que não foram fiéis. Há dentre esses, ex-esclarecidos, que hoje temem em apertar minha mão, limitando o seu conceito de amizade a uma janela de messenger. "Intimidade não tem volta", já me disse alguém antes, mas tudo isso é pouco pra lamentar o sentimento de ser uma decepção que jogam e jogarão em mim. Pedras invisíveis me atingem sem o mínimo pudor.
Ainda ali, no boxe de banheiro da escola, me comunico levemente com Deus. Às vezes percebo que toda essa metamorfose seja um dos motivos pelo meu afastamento aparente de Deus. Aparente para os Outros, pois todas as noites agradeço, suplico e peço perdão, pois sou capaz de sentir a misericórdia e a piedade divina todos os dias. O fato é que não quero mais nenhuma religião. Sou o meu próprio dogma. O cristianismo é sublime, mas grande parte dos cristãos o transformam numa fábrica de julgamentos e a última coisa que aturaria é me sentir mal numa igreja.
São tantas leis, tantas igrejas, tantas ordens, tantas seitas. Tanto afastamento, tanta indiferença, tantas palavras vãs. É a infinita busca do homem em se prevalecer diante dos demais. É a falta de reinvenção, de sensibilidade. Não quero parecer um revoltado, não. Respeito toda manifestação, mas é que todo esse escárnio purificador não eleva meu espírito nem um pouco.
Nunca teria a pretensão de querer adaptar as coisas ao meu jeito, logo apenas amadureço com tudo isso, pois a vida vai cada vez mais me mostrando que minha voz lutará ferozmente para ecoar, e que a minoria é delimitada pelo atraso. Assim sigo firme nessa minha inconstância sublime sem nunca me resignar com os desatines impostos , contando com o amor, que segundo me pregaram não condena, mas liberta sem distinções.

domingo, 31 de maio de 2009

Lascivo

Estive estático, esperando por tua ação. A forma como você me olha, assim por baixo, passando inquietamente os dedos no pescoço, como quem faz um charme contido triplica o calor dos meus poros.
Beijo os teus olhos incansavelmente e as suas maçãs me mostram o quanto estão prontas para serem colhidas e degustadas. Minha mão tremula pressiona o teu rosto com cuidado. É uma ardência atípica, envolta por uma calmaria delirante.
As persianas cinza-claro permitem que uma porção de luz acenda locais estratégicos de nosso corpo. A vitrola está tocando um Dirty Blues, o qual sua letra lasciva insinua que coloque logo a "minha cobertura no seu bolo".
Você pode sentir o quanto minha pele lateja? Permeio os meus lábios dentre os seus rosados e volumosos seios, e percebo o quanto o seu vale fica arrepiado. Arrepio! É o que me causa o passeio de seu olhar pelo meu corpo e p convite malicioso que me fazes: "prove o açúcar abaixo de minha cintura".
Você abre a boca com os dedos, enquanto nossas pupilas germinam. O cheiro libidinoso ressalta o ar até que jorramos champagne por dentre os lençóis.
O que se transforma após almas amigas meticulosamente desvendarem seus corpos?
Sentamos em lados opostos, seu vestido vermelho separa as nossas pernas. Um rock clássico ilumina o momento, nos olhamos repentinamente até cairmos numa gargalhada sem fim.
- Take perfeito! Grita o diretor ao fundo.

*As frases destacas no texto referem-se à canção "Nasty Naughty Boy", composição de Christina Aguilera e Linda Perry. Álbum Back to Basics, 2006.

Páginas Soltas

O desencadeamento da vida é algo muito complexo. Nossa vida é feita sob uma linha histórica imprecisa e rápida. Traçamos vários caminhos, conhecemos inúmeras pessoas, e todos esses fatos ficam imersos nos becos da memória. Inesperadamente e habitualmente acabamos sempre por nos remeter a algo ou alguém que ressoa do fundo de nosso abismo particular, como um eco que vai ganhando projeção estrondosa. Quase sempre tais lembranças surgem em imagens espassadas, opacas, frias, onde entramos em luta com a própria consciência a fim de equacionar tempo e espaço em que ocorreram as situações. É basicamente montar um quebra-cabeças no escuro e surpreendemente obter sucesso depois de certo instante.
Tinha acabado de subir no coletivo, estava alegre, com um sorriso bobo estampado nos olhos. Foi quando avistei uma pessoa estimada que estava dormindo. Não resistindo e nem um pouco intimidado simplesmente a cutuquei. Ela logo substitui os olhos vermelhos de sono por uma formidável expressão de gentileza. Conversamos sobre nossas vidas, sobre meu afastamento integral da igreja, relembramos as peripécias dos tempos de coroinha, caindo vez ou outra na risada. Foi então que do nada surgiu em minha mente a imagem de Alice, uma menina sapeca, maliciosa e simpática que tive um leve contato por volta dos 12 anos de idade. O rosto dela foi paulatinamente sendo reestruturado em meus pensamentos, e cheguei até a relembrar conversas e brincadeiras. O fato é que fazia um tempo que não a via mais nem ouvia falar dela. Assim, perguntei-a sobre Alice. Ao realizar tal indagação, o seu olhar mudou completamente, seu semblante ficou desfalecido, mas firme. Então ela disse que Alice tinha falecido há meses, até um pouco surpresa pelo fato de não ter tomado nota do ocorrido. Fiquei perplexo. Alice, aquele ser com quem não tive amizade, uma garota que tinha a minha idade, mas de algum modo fez parte de um período curto da minha linha imprecisa havia quebrado o pescoço num desastre de moto.
O assunto findou por ser esse até a minha parada ter chegado. Pensei em como ela poderia estar aqui hoje, até imaginei um reencontro casual que pudera ter ocorrido. Também refleti em quem ela poderia ser no futuro. Será que pretendia casar? Ter filhos? Estudar, viajar?
Passado o choque, sentei na cama, escrevi singelas palavras e fui dormir para no dia seguinte festejar com amigos.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Hábito

Antes, nunca me sentia tão agradável ou tão feliz ao andar de ônibus. Hoje, é nele que executo uma de minhas atividades prediletas. Não pegando a Avenida Agamenon Magalhães, hoje, quase sempre se torna prazeroso estar num coletivo.
Permeio os meus olhos quase ébrios desmistificando aqueles traços desconhecidos, aquelas vidas interligadas por alguns minutos e freadas. É bom estar sentado e escrevendo sem papel. Os desvios dos meus olhos vão paulatinamente criando essas dúzias de frases. Gosto de sentar nos fundos. Atrás se tem uma visão privilegiada. É inevitável, mesmo de forma não intencional já me virou um hábito ficar reparando tudo o que ocorre com o comportamento humano dentro de tal veículo. Trata-se de uma verdadeira passarela da vida.
E se tem uma coisa que me deixa um tanto inquieto e sempre me faz sorrir é a satisfação enorme que algumas pessoas têm ao adentrar no ônibus. Sentem orgulho ao passar pela catraca e só fecham o riso ao sentar. Talvez seja mesmo um ato vibrante esse, de sair de casa e ir à busca da luta diária, com bravura.
Pois bem, fato é que numa quarta-feira de março, enfrentei uma fila curta na integração e panhei um daqueles longos articulados. Barro-Macaxeira (via Várzea), um dos mais famosos entre os não possuidores de carro aqui na região metropolitana. Estava bem misto. Estou me referindo aos passageiros. É que tem dias que protestantes ou enfermeiros ou patricinhas suburbanas meio que dominam a visão. Naquele dia estava tudo bem equilibrado. Tinha pra todos os tamanhos, estilos, níveis. Como de praxe fiquei na última cadeira central. Duas cadeiras antes de mim, no lado esquerdo, havia um senhor de terno e havaianas verdes. Achei interessantíssimo o estilo dele. Ele virava o jornal de forma ríspida, nitidamente incomodado com a lamentável repetição de notícias. Ao meu lado sentou-se uma velhinha formidável. De uma elegância primorosa, dessas que deve se emperiquitar pra ir à padaria, por exemplo. Num dado instante, após detalhar bem todo o seu perfil, observando suas inúmeras bijuterias, perguntei-a se era possível me informar a hora. Ela imediatamente disse que não. Meio que fiquei constrangido, mas ela de forma doce e tocando com prazer no seu relógio dourado me explicou que ele não funcionava há algum período, que tinha de trocar a bateria. Agradeci de qualquer forma. Depois me agoniava a forma como ela puxava sua seda lilás cobrindo os dedos. Num dado instante ela explicitou: - As coisas hoje em dia são outras. Acompanhei o seu olhar e avistei duas meninas com maquiagem pesada, gravata e de mãos unidas. Surpreendentemente, percebi que no rosto da idosa não se fazia um ar de reprovação.
Já na metade de meu percurso se aproximou um garoto franzino, negro, de olhos graúdos. Devia ter uns 12 ou 13 anos. Ele se pôs no meio do ônibus, bem no local onde fica uma espécie de mola elástica. Estava vestindo uma camisa suja que era de algum programa educacional do governo, segurava uma bíblia de bolso na mão direita e estava descalço. Num impulso ele começou a desafinadamente entoar os hits evangélicos atuais. Eram lindas letras. Confesso que se tem uma coisa que não suporto é estar no ônibus e alguém estar pregando lições de vida, rezando padres-nossos e ave-marias, lendo passagens bíblicas e etc. Não tenho nada contra a manifestação religiosa, mas é que a maioria deles acha que detém a verdade e se empolgam ao ponto de quase gritar. Aquele garoto era diferente, ele tinha um brilho nos olhos. Mesmo com os pés descalços, tinha uma dignidade perceptível. Ele não apenas entoava aqueles louvores como muitos fazem, ele acreditava em cada ponto das músicas. E não estou dizendo que tinha uma fé abaladora, não. É que ele sentia felicidade naquele ofício. Não falava nem pedia nada a ninguém, somente continuava entoando sílabas dentre lombadas e curvas. E todos o davam atenção. “O Monólogo do Oprimido”, e era uma atuação esplêndida. Foi então que chegou o meu ponto de descida. Ele me acompanhou com os olhos. Antes de mim, estavam prontas para descer as meninas de gravata, e ele não as olhou em nenhum momento com um ar de indiferença, mesmo vendo a nítida expressão do amor entre elas, é como se ele fosse uma curta representação do Cristo, aquele que vivia dentre o povo, que não julgava que amava incondicionalmente. Fez-me lembrar alguma passagem onde Jesus filosofou alertando aos seguidores que tivessem negligência ao encaminhar a crença e as palavras, pois até as prostitutas poderiam ser as primeiras a estarem na entrada do reino. Assim, o motorista parou e cumprimentei o garoto com um leve adeus nas mãos, ele respondeu com um sorriso nos lábios continuando a cantoria.
Desci daquele ônibus diferente, tinha aprendido algo novo que até dado momento não sei nomear, e creio que não seja preciso querer intitular. É que aquele garoto, o qual nem me recordo plenamente os seus traços, me encheu de luz. Ele conseguiu tocar num ponto vulnerável, me fez enxergar a plenitude que há na desigualdade que caracteriza o nosso cotidiano.

O Sr Fernando e o Jovem dos Bótons Coloridos

Não lembro ao certo em que data ocorreu aquele encontro da vida. Sei que foi em alguma noite de Janeiro ou Fevereiro, numa sexta ou num sábado. O que importa mesmo destrinchar é como se deu essa curta memória.
Tinha deixado a Rua da Moeda e estava partindo para a Avenida Guararapes afim de panhar o meu busão e ir sorrindo pra casa. Andava rápido. Não se pode dar bobeira nas pontes do Recife Antigo de dia, que dirá pela noite. É lamentável, mas já se anda demasiadamente assustado num lugar tão belo como aquele. O fato é que um senhor viu aquela agonia e disse-me de supetão: essa hora, não é brinquedo não, né?! –É sim, não é mesmo! , respondi um tanto desconcertado.
-Atravessemos juntos, então, pois assim o perigo diminui. Respondi que sim com a cabeça. O velhinho (nem tão velho assim) com características tipicamente boêmias me perguntou até que ponto iria.
-Irei pegar ônibus com sentido para Água-Fria. Então, ele disse que pegaria praticamente em meu mesmo ponto. –Moro na Encruzilhada, disse ele. Depois, passado o término da ponte ele conversou sobre a movimentação do antigo. –Você bebe jovem?! –Digamos que sim, digamos que às vezes devo exagerar, mas é que o vinho já me dominou. –Já se que você deve beber desses baratinhos que fodem o fígado, estou certo?! –Sim, as coisas mais surradas às vezes são mais saborosas, respondi-lhe com um sorriso bobo. –Coisas da juventude. Tudo que é mais perigoso estimula mais. Foi então que o Senhor me fez um convite: ainda são 22h, não quero ir agora, você se incomodaria de dividir tal vinho comigo?!
Recusei de imediato. Aquele velhinho era meio estranho. Ficar perguntando coisas assim a um garoto que nem conhece e já o chamando pra tomar uma, boa coisa não deve ser. E se ele for um traficante de órgãos?! Vai me atrair pra sua gangue e já era uma vez minha vida. Eram pensamentos como esses que passavam rapidamente pela minha mente.
O velhinho insistiu, e percebi em seu olhar um pingo de solidão, uma inocência de quem quer só dividir uns leros. Não resisti e segui com ele, um tanto desconfiado e assustado.
- O que são esses negócios coloridos? –São bótons, respondi. Bótons de duas bandas de rock, Rolling Stones e Nirvana. –Os Stones são legais, mas sempre preferi Ramones e Sex Pistols, respondeu ele coçando levemente a cabeça.
Chegamos próximo ao Pátio de São Pedro. A rua estava movimentada, qualquer coisa poderia pedir socorro, pensava sorrindo bruscamente.
-Vem cá, qual o nome do senhor?! –Senhor ta lá em cima, e é Fernando. E o seu, rockerinho de prédio?! –Elilson, respondi um tanto tímido. –Eli, o quê?! Elilson! E moro em subúrbio mesmo, e numa casa, respondi com leve chateação em relação à piadinha que fez ao meu estilo.
Ele me partilhou suas memórias. Disse-me que era de Natal, mas que desde a juventude tem uma paixão enorme por Recife. Contou-me de seus filhos, de suas mulheres, de como o mundo era e está. Ouvia tudo calado, não partilhava informações sobre mim, apenas concordava ou não com as coisas que ele dizia e vez ou outra, sob um impulso maior jogava-lhe manias e planos. Parecia um avô ensinando um neto a como decifrar o desencadeamento do viver. Nunca tive esse contato com algum avô, esse tipo de interação. Batia em mim uma nostalgia de algo que estava preso, mas que nunca tinha sentido. Empolgado, o fiz perguntas sobre como era o seu comportamento na época da ditadura. –Aquilo era um tempo medíocre, sórdido, mas dava, com cautela, pra fazer tudo que vocês fazem. O que mudou foram os hábitos, as maneiras, os trejeitos, mas não existe nada de tão novo assim. Disse ele sem querer se prolongar no assunto. Percebi um semblante espaçado naquela alma jovem em matéria velha, mas ele logo retornou à normalidade. Ainda ousei em pergunta-lhe se já havia usado drogas. –Claro. Respondeu ele. E continuou: --Mas saiba de algo, jovem, se eu morresse hoje, estaria feliz. Sim, pois fiz tudo no tempo certo. Algumas coisas um tanto tortas, como experimentar drogas, mas é necessário ás vezes pra crescer, contudo fiz tudo no tempo certo. Eu vivi minha vida passo a passo. Vocês parecem querer hoje adiantar o tempo, fazem coisas desenfreadas, querem tomar como modelo pessoas doidas como tal de Amy House. Sim, às vezes é bom pular etapas, mas o melhor é se tornar livre de maneira sensata.
Atentamente, meus olhos liam aquelas informações. Rindo, contei-lhe que era fã da tal Amy, explicando-lhe seu nome correto: - é Winehouse, disse a ele.
-Uma porra dessas aí mesmo. Soltou-o. Depois da garrafa de vinho terminada, olhei à hora e me levantei. O Sr Fernando ainda queria prolongar, mas recusei. No caminho até a parada, ele, parecendo ler algo que havia dentro de mim, disse repentinamente que achava que todos devem ser felizes do jeito que são. Disse-me sorrindo que nascer já é algo difícil de entender, quanto mais querer viver de acordo com o que os outros pensam.
-Foi um prazer, disse ele. O respondi com um aperto de mão. Ele pediu que colocasse meu número em seu celular, pois não sabia usá-lo. Não sei por qual motivo, mas não coloquei o meu número. Tinha sido uma experiência única, e era ali que queria deixá-la, sem prolongamento, apenas um capítulo interessante, diferente na minha caminhada.
Assim, o jovem Sr entrou em seu ônibus. Esperei o meu por mais alguns minutos ainda um tanto perplexo com aquele episódio. “Que pessoa louca pára pra conversar desse jeito com um desconhecido?”, ficava pensando. Num mundo tão caótico e dominado pelo medo, a maioria das pessoas perdeu esse prazer, essa troca de vida com alguém que não se conhece. Parecia mais que aquele velho era um vizinho que tinha partido pra longe, um tio que voltou no tempo ou mesmo um amigo da pré-escola que esbarrara sem querer vindo rapidamente a me reconhecer. Ele me ensinou algo que vai além dessas palavras repetidas, em mais ou menos uma hora, aquele homem de barba feita e camisa verde com botões, de sapato branco e calça social, de olhar firme e pronúncias desvairadas me instigou vida!

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Remix Multicultural ou Memórias de mais um Carnaval

Marchinhas soltas com verdade transbordante.
Cruzamento místico em vontade delirante.
Salada bela de peles diferentes.
Multi cultural se revela uma palavra ardente.
Liberdade,
beijo triplo,
uno,
igualdade
momentânea,
frase pronta,
descentralizados, marco zero, bom jesus,
13 de maio, quanta ladeira (!)...
Dilma, Winehouse, Lula, Obama, Lindu, Gal Costa e Bethania
viram personagens do escracho doce.
Maria Rita, Pitty, Elba, China, Manchete Sílvia, Madeiras que Cupim não rói.
Enéas Freire, Capiba estão logo ali.
Mas eita! Êta, êta, êta, êta. É a luz é o som. É uma verdadeira diva de calças.
Caboclo, máscaras, lança. Frevo, maracatu, alfaias e tamborim.
Galo d'água. Galinha da Madrugada.
Maconha, sucesso, cana com mel.
Rua da Moeda e 4 cantos.
Tequila, ice e pó, Fábio Assunção é nosso irmão.
Psicodélico moderno, atualidade antiquada, vanguarda destemida.
"Aqui todo mundo brinca".
Propaganda em acúmulo. Versatilidade em desuso?!
Buceta, cou, caralho, porra, no palco e nas vielas pode se falar, pode se ver tudo.
Rock, pop, jazz, eletrônica.
Camisinha solta no ar.
Em nove meses um preço a pagar?
Mandacaru com caipirinha.
Feijão, arroz e vinho tinto.
Sombrinhas, tesouradas e plim-plim! Olha a Globo aí, gente!
Band folia, Eduardo tão simpático, Costa Filho tão orgulhoso.
Cadê Cadoca? Tentativa falida de imitar Salvador, graças a Deus!
750 mil. São turistas que gozam de um carnaval que é do povo.
Mas, nas esquinas se vêem os excluídos recolhendo as sobras, desejando as migalhas.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Singularidade Feminina.

"Este é um mundo masculino! Mas, ele não seria nada sem as mulheres"
Se olharmos para a história de nossas civilizações, vemos claramente o quanto elas, seja através de atos sensíveis ou mais fortes, pela atuação política ou mesmo pela expressão da sexualidade, sempre foram essenciais para as evoluções e transcedência em que o mundo sempre permeou.
Destemidas por natureza, os seres que concebem o mundo, que em verdade dão concebimento à vida, sofreram por um tempo bem longínquo, as tentativas machistas de estarem à margem das decisões, de terem reprimidas suas inquietações, de terem ofuscadas suas vitórias e méritos. Mas sempre existiu, ao menos uma que se manteve na defensiva, que se destacou por tentar mudar os rumos da construção histórica.
São inúmeras raças e culturas. Hábitos e perfis. Ainda hoje, muitas se vêem sujeitas às imposições de culturas em nações religiosamente tradicionais. Outras se vêm sem força ao estar inerente a qualquer tipo de situação em lugares como a África. E a maioria delas ainda tem de engolir seco atrasos sociais, como receber menos pelo mesmo trabalho, ter rótulos de frágil quando não se colocam ou de puta quando usam sua arte ou corpo, quando os homens ao fazerem o mesmo são ovacionados.
O lugar que elas conquistaram é inegável, bem como sua singularidade, essência e beleza nos mais variados e amplos contextos.
Pagu, Judi Denchi, Fernanda Montenegro, Elza Soares, Christina Aguilera, Maria da Penha, Bethânia, Eliane Nascimento*, Daisy Falcão**, Cate Blanchet, Amy Winehouse, Geninha da Rosa Borges, Marisa Monte, Maysa, Edith Piaf, Lispector, Meireles, Adélia Prado, Maria Luiza Duarte***, Heloísa Helena, Dakota Faning, Abgail Breslin, Cláudia Abreu, Kate Winslet, Marion Cotillard, Marina Silva, Dercy Gonçalves, Lays Vanessa'*, Alanis, Roberta Sá, Santa Tereza de Calcutá, Joana Dark, Carla Mirela'**, Dona Ivone Lara, Furacão Elis, Crisitina Rocha'', Kátia Santos'''...são substantivos, são exemplos , são formas variadas, são visões e traços diferentes, são expressão, são arte, são mulheres!
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Legenda: Epígrafe, frase da canção "It´s a Man´s, Man´s, Man´s World" do falecido intérprete e compositor, padrinho da Soul Music, James Brown.
*Minha mãe. **, Minha grande amiga, a fim de representar as demais, atriz e professora pernambucana; ***Minha avó, falecida, de quem pego emprestado o sobrenome, mulher que enfrentou a fome e a seca nordestina, mas que sempre lutou pra educar e alimentar seus filhos; '**-Estimada amiga, onde faço representar as demais; '*: sonhadora, cantora, compositora, escritora, atriz e desenhista com quem convivo e '' e ''' são amigas-professoras, a quem faço merecida citação a fim de também representar as demais que com nobreza enfrentam árduo ofício de educar.

Em cima do Muro ( Notas Rápidas)

1) Há não muito tempo, escrevi de forma leve o que penso a respeito do Aborto. Sou contra a sua manifestação, e isso não nego. Sou contra quando me coloco no lugar daquela criança calada, abafada, presa, indefesa. Mas, o Aborto, principalmente num país como o nosso, se torna um problema de ordem sócio-econômica, pois mesmo sendo contra, tenho a consciência do que passam essas mães pobres, essas mulheres da vida humilde, que só pra elas vale e vigora a lei. Dos tantos milhões de abortos cometidos, uma grande parte é cometida por pessoas ricas, que tem dinheiro e status suficientes para ter qualquer grande médico e consultório nas mãos. E para as pessoas pobres, restam métodos medievais, como a cruel utilização de agulhas de croché.
Enfim, não estou querendo reverter a minha visão. Continuo sendo contra o aborto, e nem quero pensar sobre sua legalização, mas em determinados casos, considero a discussão insensata e insensível. Tive uma formação católica por opção, contudo nunca fui de bancar mais uma ovelha dominada, uma mente alienada pelas palavras clérigas ou imposições verbais oriundas do Vaticano. Religião deve ser apenas uma prolongação do dia-a-dia, deve ser uma ambiente onde se busca o elo de harmonia com o que se crê, sempre pensei dessa forma.
Nas últimas semanas, o aborto realizado na menina pernambucana de 9 anos de idade, que no auge da infância, abusada sexualmente pelo padrasto, findou por ficar gestante de duas crianças acabou ganhando uma notoriedade mundial. Assim que li pela primeira vez sobre o caso, concordei de imediato com o provável aborto. Como uma criança vai conceber mais duas em tais condições? E os danos ultra-psicológicos? Será que o corpo dela está pronto para isso? Era um problema a não ser discutido em público, era a dignidade de uma criança, de uma alma inocente sendo exposta.
As palavras do arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, foram ásperas e antiquadas como imaginava. Sim, pela lei da igreja ele deve defender a vida em meio público. Concordo quando ele se refere ao aborto como um genocídio silencioso. Todavia, se tratava de uma criança violentada ao extremo. Algo que ultrapassa tradições. E daí declarar que o estupro cometido pelo meliante é um pecado "menos grave" do que o aborto cometido pela equipe médica e permitido pela responsável da menor é um dos maiores disparates do ano em curso. Me dá medo quando as pessoas querem falar por Deus. O que é pecado? Até onde as coisas estão certas ou erradas?
Só queria que ao "expulsar" alguém dos sacramentos e ministérios católicos, o velho bispo viesse a lembrar de que dentre seus mais elitizados membros e fiéis, estão mulheres que também cometem aborto às escondidas, e não por condições extremas como a pobre menina, mas por um capricho qualquer. E mais, gostaria que ele e os outros representantes de Deus( o que não quer dizer o próprio Deus ou a voz de Deus) pensassem que as pessoas buscam na igreja um local de amor, perdão e misericórdia, e não de condenações, penitência e intolerância.

2) Lembro-me perfeitamente da repugnância que tive naquela campanha eleitoral. Era 2006, tinha 14 anos, e só viria a votar em 2008, aos 16. Resido em comunidade humilde, e desde criança observava a infame tática dos políticos de saírem com sorrisos amarelos caminhando nos morros no período pré-eleitoral. É ridícula a ignorância das pessoas que ainda abrem suas portas com felicidade, e fazem questão de serem modelos gratuitos em campanhas televisivas, para demonstrar a "benevolência e disposição em estar perto do povo" que têm essa maioria politiqueira, que são verdadeiros palhaços-de-terno.
Pois bem, o fato é que um político naquela campanha de 2006 foi apertar minha mão. Pelo que me lembro só estava a apoiar um de seus pupilos de coligação. Não tenho ou tinha nada de pessoal contra tal homem, e até desconheço algum passado sujo além de erros previsíveis a quem se põe a governar uma sociedade tão conturbada. Sendo equivocado ou estúpido, só lembro bem daquele sorriso bobo vindo em minha direção. Acabar de chegar no portão de minha casa e queria apenas entrar, fugir daquela agitação. Foi então que um certo Jarbas Vasconcelos veio apertar minha mão, e logo viu que a mesma estava com o papel da campanha do tal do "Mendonçinha" amassado feito lixo, e sendo justo ou não, como um ato de protesto simplesmente não fui educado, não abri minha mão, e ele se foi em meio a pessoas, flashes e seguranças.
Mas, uma certa entrevista à Veja, chamou a atenção do país nas últimas semanas. Sim, Jarbas Vasconcelos, um Pemedebista aparentemente tradicional, que já tinha exposto suas visões acerca de nossa política suja em outros tempos, é bem verdade, mas dessa vez ele ultrapassou as expectativas, se arriscando à esquerda e se pondo a denunciar seu próprio partido. E pudemos ver até penas de Tucanos e estrelinhas vermelhas apagadas sendo soltas ao vento, feito poeira de lixo!
Depois, num pronunciamento destemido, feito um Leão do Norte, no Senado cheio, com repórteres, inimigos políticos de outros partidos e os seus "irmãos-obscuros" olhando pra ele, Jarbas se colocou a repetir tudo que disse na polêmica entrevista e a sugerir medidas ao governo Lula, que "aceita e condiz com toda a corrupção".
Não sei ao certo se as intenções dele são apenas em zelar pela honestidade e empenho em governar que foram jogados nos buracos brasilienses nas últimas decádas ou se existe as famigeradas particularidades políticas, mas o fato é que mesmo tendo sido uma atitude tardia(e muito tardia!) Jarbas faz com que levemente retirasse o meu chapéu para sua figura. Quem sabe Lula ainda me faz querer tirar o chapéu também um dia, nem que seja por efêmeros e cuidadosos segundos feito fiz para com o Seu Vasconcelos.

terça-feira, 3 de março de 2009

Pele de Dália

As baladas em sinfonia rockeira parecem delinear acerca de meus traços recentes.
É carnaval, é alegria e saudade, e apenas te toco com o olhar, te olho com desejo.
Queria que os seus braços ultrapassassem os limites da amizade, e estivessem aqui, comigo, por todas as chuvas que encontrássemos.
Enorme alívio minha alma sente ao estar perto de ti. Balbucio tua pele de dália sem malícia, talvez nem tão respeituoso, mas com um pouco da inocência que me sobra.
Para você, aparenta ser só mais um capricho, uma pirraça dessa figura antipática que quer te deixar com pensares confusos, te deixar sem saber quando é brincadeira e quando se torna sério, quando é verdadeiro, e quando começa a ficar dúbio.
Tua voz é tão doce em meus ouvidos. Mas, isso não é uma declaração de amor. Não, não é. Não sei que dimensão de amor pode ter alguém que ainda nem responde por seus atos.
É bem provável que seja paixão. E paixão é pra ser vivida no agora. Sem planos sólidos, sem quantidade exata. O amor tem gigantes dimensões. É pra vida toda. E nós gozamos da mais bela manifestação do amor, a amizade. Mas paixão, ora, paixão pra se concretizar agora, depende da vontade de dois. Se torna extremamente necessário que dois mergulhem numa harmonia que pode durar cinco minutos ou um quarto de vida.
Aí se encontra a pequena problemática platônica. Apenas um quer se jogar no jardim de infância, andar de mãos unidas sob os relâmpagos, correr nas calçadas, lamber o ar pelas ruas e respirar novos rumos de maturidade. Assim, o desejo se torna ilusão.
Nunca desejei um sim por piedade. É claro que receio o que pode mudar depois que amigos encostam suas línguas. Dane-se! Para quê ficar nesse raciocínio?! Tudo flui de maneira tão rápida, áspera, azeda, por culpa de não termos a mente voltada ao que se procede agora.
Engraçado, você me faz ser puro e clichê ao mesmo tempo. Não tenho certeza de nada, apenas queria me lançar sem medo. E por mais que seja difícil engolir respostas contrárias, gosto da tua verdade. É que, em certos momentos, o tempo me faz crê que talvez fosse você parte da calmaria que anseio, que com você poderia firmar oaristos no escuro e no claro. Você mais parece uma pintura bucólica que quer me fazer fugir da agitação e me render ao verde.
Sou grato pela gratuidade de tua amizade, e mesmo que não seja com frequencia, as horas que te vejo são excitantes, e não assoberbadas como de hábito. Pois, entrelaçado ou de mãos livres, sua presença tem sido um capítulo doce nessa jornada que só está no início.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Notas de Melancolia

A noite me faz um pedido por luz. As sombras do telhado me gritam por luz. É madrugada, o dia foi cansativo, mas me viro e reviro entre os lençóis e a insonia que um dia fora amiga, quer me jogar no ócio, na melancolia, contudo isso deve fazer parte de mim.
Sento-me de supetão e fico falando coisas no ar. Sem sons, só gesticulação. É minha estranha loucura de interpretar a vida, de buscar respostas sozinho.
Os outros acham que é fácil engolir as trevas só por que joguei um ou dois risos bobos. São tantos personagens confusos, o enredo em si é tão confuso, que tem minutos em que só quero silenciar. Mas, essa calmaria suave não caracteriza o meu espírito.
Às vezes queria ir até o lamento das ruas do Antigo e beber, beber feito Piaf, Dean, Brown ou Maysa, mas é logo que prefiro me entorpecer na calada da solidão, olhando o céu, e me pondo de frente ao espelho pra tentar retocar minha alma.
É um ano de decisões. Peço diariamente a Deus misericórdia e perdão, pra continuar plenamente, pra não ter colocado as coisas na beira do abismo.
São tapas que o escuro me dar, e parece mais que eu gosto de apanhar na surdina do sofrimento. Mas, eu corro, gargalho e peregrino dentro de meu mundo calculadamente resumido e viajo em visões de triunfo, de futuro, de vitória em guerra.
Acredito que agora não sei mais o que quero, quem quero. Agora sou vilão, fui vilão. Um vilão frágil, que tormenta a si próprio, que pode ser "sexy, azedo e doce", que pode cantarolar no tabuleiro das ilusões, ou arriscar passos no resplandecer dos desafinados.
E eles e elas vêm como onda em meus pensamentos. São muitos caminhos traçados. Limpos e sórdidos. São vidas entranhadas, soltas e presas numa teia, teceladas e queimadas numa rede qualquer. Temo surtar, porém sei que isso não ocorrerá. Os fantasmas da voz, os anjos do escuro me dão essa certeza vital.
Não sei se mereço, só sei que queria ter agora em mãos um piano. E que numa mágica inefável começasse a compor essa melancolia que reclusa e liberta, que repudia e fortalece, pois tudo parece ser dúbio, e ser feliz em suma parece nunca ser algo precisamente justo.
Trata-se de notas inéditas e repetidas. Dó, ré, mi, fá, sol, lá, sí, tudo é melancolia, tudo é ambíguo, tudo também é vida.