sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Maiúscula e Singular.

Lembro-me perfeitamente de uma certa madrugada no ano de 2000. Não conseguia dormir e escondido de meus pais ligava a TV. Uma certa cantora dava vida à música "A Carne". Aquele timbre único, aquela expressão ao cantar ficaram marcados em minha mente.
Anos depois, em 2007, lágrimas de vibração caíam dos meus olhos ao assisti a abertura do jogos Panamericanos no Rio de Janeiro. A mesma e digníssima Elza Soares emprestava sua magnífica voz ao nosso Hino Nacional em capela. Tudo que ela interpreta torna-se naturalmente um Hino. Mas nunca senti tanta emoção em entoar ou ouvir um de nossos maiores símbolos como naquele dia.
No Carnaval de 2008, a euforia me dominava ao saber que ela e Marisa Monte iriam ser responsáveis pela abertura do Carnaval Multicultural do Recife ao lado dos nossos admiráveis Naná Vasconcelos e Lia de Itamaracá.
Quando vi aquelas pernas suntuosas descendo as escadas do palco no Marco Zero meu peito disparou, mas não se comparou a quando sua voz começou a soar por todos os cantos.
Depois dali, Elza fez um espetáculo no Clube das Pás, mas por ser menor de idade não pude ter um gozo cultural naquele dia.
Mas, ontem, finalmente, pude ter a chance de conferir um espetáculo inteiro da maior expressão artístico-feminina desse país. Cada palavra, cada frase, cada olhar, cada sapateado, cada pose ousada, cada nota dada hipnotizavam minha mente naquela cadeira do Teatro do Parque. E que lugar privilegiado! Cheguei às 15h, para o evento que iniciou às 18h30 com a deliciosa Monica Feijó. Logo tratei de escrever algo singelo com a esperança de entregar nas mãos da própria Elza.
Fiz amizades com agradabilíssimas Senhôras e alguns atores. Foi um dia como nunca tive. Da mais pura harmonia.
Pouco tempo após Elza dominar e radiar de luz aquele palco, não pensei duas vezes. Estava tão perto dela, decorava cada detalhe de seu rosto, de seu corpo, de sua dança que não poderia perder a oportunidade. Ergui-me do assento e estendi a mão direita trêmula com o meu manuscrito. Após 5 esplêndidos segundos de almas se cruzando em olhos, Elza atendeu meu pedido. Voltei a sentar feito uma criança boba.
Sem dúvidas, foi o melhor espetáculo que já vivenciei. Aquilo não é uma voz, é um baita Instrumento. Não há ninguém como ela. São mais de meio século dando sabor, intrepidez e alma à construção da história da Música Popular brasileira. Uma menina com mais 70 anos de vida, num escultural corpo de 20 e uma alma que é mais jovem que qualquer outra.
Se ela não mencionasse à plateia que infelizmente estava com uma altíssima febre, ninguém, nenhum de nós perceberíamos. Pois era energia e voz para dar a vender. Uma vitalidade no palco que pouquíssimas cantoras jovens têm. Sem falar no carisma e simplicidade da "Cantora do Milênio", eleita em 2000 pela BBC de Londres.
A menina negra que casou aos 12 anos. Que reconhecendo a potencia de sua própria voz se arriscou em ir em busca de espaço para conseguir alimentar os filhos. A jovem mulher que carregava lata d'água na cabeça dentre os morros cariocas, que logo alcançou seu digno espaço, que conheceu e foi admirada por lendários como Louis Armstrong e Ella Fitzgerald, que foi cruelmente humilhada e perseguida pela suja imprensa do Brasil por ser uma mulher ousada, intrépida, singular, que teve de enfrentar sempre o preconceito é simplesmente a personificação da Arte nos mínimos detalhes.
É belo admirar sua força. Uma mulher humilhada, que perdeu o grande amor, Garrincha, de forma avassaladora e anos mais tarde também o único filho que teve com ele, distanciou-se do segmento auto-destrutivo de muitas outras cantoras em nome de seu exímio Dom. Como a mesma dizia: Canto para não enlouquecer.
Ontem, foi um momento maravilhoso e único. E como se não bastasse toda a magia das performances, na última música, Elza voltou radiante e após pegar na mão de alguns fãs, veio em direção a mim, e minha mão suava frio exatamente como está suando agora. Eu segurei delicadamente em sua mão e a beijei tentando exprimir as palavras que eram impossíveis de sair. Então, a Generosa e Grandiosa Elza abaixou-se e me deu um lindo abraço e eu debruçava meus lábios em sua face enquanto ouvia seu sussurrar: "Eu li".
Foram segundos inefáveis que com certeza marcaram minha vida. Não conseguia falar alguma coisa. Depois do espetáculo encerrado todo mundo percebia minha euforia ao me ver saltitando pelo espaço, como uma criança que ganha a primeira bicicleta.
Que humildade tem nossa Maior e Melhor intérprete! Acredito que todos nós devemos ter um pouco de Elza em nossas almas. E que continuemos a Ovacionar e ovacionar "a única e somente e que nunca haverá outra igual", E-L-Z-A S-O-A-R-E-S.

domingo, 4 de outubro de 2009

Interlocutor do Amor Alheio

Com o meu pescoço curvado, observo cada gesto que involuntariamente executo com minhas mãos entrelaçadas, pois de alguma forma, nessa minha visão turva, estou te olhando.
Ter o meu pensamento dominado por você é uma junção das coisas que mais amo e que mais odeio. As constantes gargalhadas estampadas em meu rosto, escondem cuidadosamente essa angústia que há em minhas entranhas.
Desde aquele primeiro instante, em que minha pré-adolescência se cruzou com teu jardim de infância, essa novela mexicana teve início.
São anos de martírio desnecessário, mas cada parcela de tempo que posso estar junto de seu corpo, quando tenho o meu território invadido pelos teus pés reafirmo-me nesse complexo devaneio da desilusão.
Somos como dois planetas distintos ocupando a mesma área num sistema, prestes a constituir um novo big-bang. E eu já deveria ter concordado com a vida, que nos entregou de forma adversa, mas é verdade que desejo até que você esteja sempre só.
Meus ciúmes refletem o medo de perder o que nem é meu. Por que é que Deus criou o sentimento? Queria que ele pudesse descer até aqui, nesse banco gélido, e me explicasse a razão, apontasse-me uma saída.
Porém, você acaba sendo sempre a minha saída, visto que nesse drama que desnorteia, sou um masoquista declarado e você é a instituição da minha tortura.