domingo, 31 de maio de 2009

Lascivo

Estive estático, esperando por tua ação. A forma como você me olha, assim por baixo, passando inquietamente os dedos no pescoço, como quem faz um charme contido triplica o calor dos meus poros.
Beijo os teus olhos incansavelmente e as suas maçãs me mostram o quanto estão prontas para serem colhidas e degustadas. Minha mão tremula pressiona o teu rosto com cuidado. É uma ardência atípica, envolta por uma calmaria delirante.
As persianas cinza-claro permitem que uma porção de luz acenda locais estratégicos de nosso corpo. A vitrola está tocando um Dirty Blues, o qual sua letra lasciva insinua que coloque logo a "minha cobertura no seu bolo".
Você pode sentir o quanto minha pele lateja? Permeio os meus lábios dentre os seus rosados e volumosos seios, e percebo o quanto o seu vale fica arrepiado. Arrepio! É o que me causa o passeio de seu olhar pelo meu corpo e p convite malicioso que me fazes: "prove o açúcar abaixo de minha cintura".
Você abre a boca com os dedos, enquanto nossas pupilas germinam. O cheiro libidinoso ressalta o ar até que jorramos champagne por dentre os lençóis.
O que se transforma após almas amigas meticulosamente desvendarem seus corpos?
Sentamos em lados opostos, seu vestido vermelho separa as nossas pernas. Um rock clássico ilumina o momento, nos olhamos repentinamente até cairmos numa gargalhada sem fim.
- Take perfeito! Grita o diretor ao fundo.

*As frases destacas no texto referem-se à canção "Nasty Naughty Boy", composição de Christina Aguilera e Linda Perry. Álbum Back to Basics, 2006.

Páginas Soltas

O desencadeamento da vida é algo muito complexo. Nossa vida é feita sob uma linha histórica imprecisa e rápida. Traçamos vários caminhos, conhecemos inúmeras pessoas, e todos esses fatos ficam imersos nos becos da memória. Inesperadamente e habitualmente acabamos sempre por nos remeter a algo ou alguém que ressoa do fundo de nosso abismo particular, como um eco que vai ganhando projeção estrondosa. Quase sempre tais lembranças surgem em imagens espassadas, opacas, frias, onde entramos em luta com a própria consciência a fim de equacionar tempo e espaço em que ocorreram as situações. É basicamente montar um quebra-cabeças no escuro e surpreendemente obter sucesso depois de certo instante.
Tinha acabado de subir no coletivo, estava alegre, com um sorriso bobo estampado nos olhos. Foi quando avistei uma pessoa estimada que estava dormindo. Não resistindo e nem um pouco intimidado simplesmente a cutuquei. Ela logo substitui os olhos vermelhos de sono por uma formidável expressão de gentileza. Conversamos sobre nossas vidas, sobre meu afastamento integral da igreja, relembramos as peripécias dos tempos de coroinha, caindo vez ou outra na risada. Foi então que do nada surgiu em minha mente a imagem de Alice, uma menina sapeca, maliciosa e simpática que tive um leve contato por volta dos 12 anos de idade. O rosto dela foi paulatinamente sendo reestruturado em meus pensamentos, e cheguei até a relembrar conversas e brincadeiras. O fato é que fazia um tempo que não a via mais nem ouvia falar dela. Assim, perguntei-a sobre Alice. Ao realizar tal indagação, o seu olhar mudou completamente, seu semblante ficou desfalecido, mas firme. Então ela disse que Alice tinha falecido há meses, até um pouco surpresa pelo fato de não ter tomado nota do ocorrido. Fiquei perplexo. Alice, aquele ser com quem não tive amizade, uma garota que tinha a minha idade, mas de algum modo fez parte de um período curto da minha linha imprecisa havia quebrado o pescoço num desastre de moto.
O assunto findou por ser esse até a minha parada ter chegado. Pensei em como ela poderia estar aqui hoje, até imaginei um reencontro casual que pudera ter ocorrido. Também refleti em quem ela poderia ser no futuro. Será que pretendia casar? Ter filhos? Estudar, viajar?
Passado o choque, sentei na cama, escrevi singelas palavras e fui dormir para no dia seguinte festejar com amigos.