domingo, 29 de junho de 2008

Resignação Harmônica

O espelho refletia-me superficialmente. Fizera um terço de hora que eu estava no banheiro. Após jogar água em minha face, paralizei as ações e passei a observar assiduamente as gotas que iniciavam a escorrer na base de minha testa e pingavam lentamente ao chegar em minha mandíbula. Algumas delas, formavam um rio seco de glória em meus lábios.
Passei uma das mãos em meus cabelos ao mesmo tempo que a outra cubria meus olhos. Com a brecha formada pelos dedos eu os via piscarem como os ponteiros do antigo relógio. Deixei as mãos soltas e fiz meu olhar cruzar-se consigo mesmo. Sem perceber, fui encostando-me ao reflexo. Gradativamente deixando o vago momento fluir. O chuveiro mais ao canto começou a gotejar. Minhas pálpebras seguiram tal movimento produzindo um som que remotava-me à imagem de um porão. E assim continuei até o inesperado colapso ocorrer: mergulhei em meus próprios e infinitos olhos. Caminhei por dentro de meu corpo. Revi cenas esquecidas nas codificações de meu sangue. Choquei-me então com dois caminhos. Em uma via percebia ligeiramente uma pigmentação de luz, enquanto na outra não conseguia distinguir nada. Foi na última que lançei meus membros. Terrivelmente senti nos mais profundos vales de meu ser as páginas de inquietações de minha adolescente vida. Com os segundos a sensação queria me esgotar, tornar-me mais inerente que a ausência de palavras. Nadei até a ponta das vias guiado por uma propriedade natural. Adentrei no ponto de luz e vi um livro com aparência de um baú. No instante em que o alcancei, uma bomba explodiu externamente.
Alguém batia na porta do banheiro. Fui sugado pelo ambiente. A impressão correlata era de que cometia um auto-flagelamento. Retornei à origem bucólica. Desfiz meu dúbio e surreal nirvana ao abrir meus olhos. Nesse exato segundo meu reflexo mostrava as expressões de um profundo e mudo grito. Respirei, enxuguei o rosto e abri a porta. Ele adentrou, e eu saí da inércia inconstrutiva posto que a experiência particular retirou-me o ócio e me pôs a transcrever estas curtas linhas.