sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Caros Cidadãos brasileiros,

É notório o espírito de caridade e sensibilização que caracteriza a maioria de nós, no fim de ano, devido a toda uma tradição cristã que permeia as comemorações natalinas.
Este que lhes fala quer agora ressaltar algo que é nítido, mas que passa por nosso "esquecimento": fome, miséria, desamor, fleuma e tantas outras chagas sociais estão presentes ao nosso redor 86.400 segundos diários, por 365 dias e não apenas no Natal. É bem verdade que, num caótico dia-a-dia como o nosso, findamos por não enxergar mais o outro. É preciso ver além de olhar. Nossa visão em geral é opaca por nossos preceitos, mas deve ser claro o absurdo abismo social que só aumenta entre a maior parte de nós e os que vivem à margem, não é verdade?!; então, por que só praticar solidariedade no fim de ciclo?
Percebendo tudo isso fica evidente a nossa hipocrisia social-cristã. O que vivemos, na verdade, é um Natalismo: o advento diário do capitalismo que nos faz indiferentes a toda essa problemática.
Devemos partir para uma ação diária: lutar contra a fome e a desigualdade a cada amanhecer, numa trilha de passos unidos: eu, vocês e os que, infelizmente, estão à margem, pois todos nós somos população, todos somos seres humanos, e sermos homo Sapiens Sapiens mais que nos une: nos deixa num patamar de igualdade que inexiste na vida diária.
Fraternalmente, e que não seja apenas no Natal,
Elilson Gomes do Nascimento.


Carta argumentativa escrita a partir da proposta da verificação de redação do colégio no dia 17/11, às 14h18, aproximadamente.
Imagem pega no Blog "Metaphsysical Poet".

domingo, 8 de novembro de 2009

Exercício Cênico


(Para Hermínia Mendes).

Estava de costas com a vista grudada na imensidão branca da parede. Exorcisava os anjos da minha mente, limpava qualquer brecha de inquietação. Buscava uma neutralidade nos pensamentos. Enxugava os resíduos de música, conflitos, imagens. Preparava-me para conceber esse encontro inusitado. Não sabia quem ou o que iria cruzar esse caminho, mas tinha razão de que quando me virasse já estaria ali. Alguém ou algo. Da mesma forma que tinha noção que seria o único Observador. Um observador também invisível.
Inalei o ar, sacudi os ombros e me virei de uma só vez. Fixei os meus olhos no canto mais à direita e lá estava Ele.
Desdenhando de tudo que pudesse estar a sua volta ele limitava suas ações a manusear os cardaços de seu All Star vermelho.
Do meio daquele asfalto cinza e inabitado eu o observava com cuidado. Não queria interrompê-lo nesse momento de afastamento da balbúrdia. Quem seria ele? Como chegara ali? Nem me perguntem o seu nome, pois a experiência não me deu tempo para ousar em perguntar, o que seria tolo, já que ele certamente não me enxergava. Mas, ele poderia ser Tiago ou Honório ou Leandro , quem sabe poderia ser mesmo Elilson ou até João Paulo. Dê a ele o nome que sua alma apontar.
Debruçado por seus joelhos, ele ia cessando a relação estabelecida entre seus dedos esquerdos com seus sapatos
Ao seu lado tinha uma grama úmida e do outro um bueiro destampado. Sem muito esforço ele conseguia saborear aquele cheiro de verde e terra molhada (e acredito que eu também possa ter sentido). Na verdade batia em mim uma vontade de seguir os seus atos, como se fosse representá-lo. Mas meu dever era observá-lo e apresentá-lo para assim perder a exclusividade de vê-lo.
(Você já consegue começar a vê-lo?!)
Ele ergueu seu rosto. É um belo rapaz. Por um instante seus traços pareciam já estar em meu cérebro, mas bastou que eu respirasse um pouco, uma única vez, para que tudo fosse inédito novamente.
Fazendo curvas em seu pescoço com os dedos ele começou a soltar risos. Os risos que transbordavam do vale sombrio das águas que escorriam em sua face.
Sua expressão insinuava carência. Mas não tinha nada ou alguém perto dele para assisti-lo nessa carência.
Concertando o penteado, ele quis estreitar o contato com aquela grama. Existia por entre as folhinhas encharcadas um lodo. Assemelhavam-se a um tecido, quero dizer que a grama tinha uma textura, uma leveza que era boa para as mãos. Parecia pelúcia. É isso, pelúcia. Talvez aquela criatura singular nunca tivesse tocado em pelúcia antes. Era nítido que ele gostava daquela descoberta. E foi debruçando parte a parte do corpo naquela grama-pelúcia.
Seu corpo já estava suavizado, pois seu interior devia estar mais tranquilizado. O nada era Tudo naquele momento, naquele lugar. Toda a tensão dele (e minha) já inexistia.
Deitado, sua face ficou mais próxima ao bueiro que lhe fazia companhia desde de que o avistei. Era um ponto importante naquela miragem, mas que perdia um pouco da notoriedade natural que teria por conta da imensidão que tinha aquele rapaz. Mas vez ou outra os seus olhos cerravam aquele bueiro e me levavam junto a observar também. Em alguns segundos pensei que ele fosse pular naquele buraco ou tentar se encontrar dentro dele, por conta da forma fixa que olhava ao ponto aparentemente seco e obscuro, apenas.
Assim, ele encaminhou minha vista às raízes frágeis, porém verdes e vivas, que sambavam das beiradas daquele bueiro. Talvez renasciam do esgoto, mas nem aparentavam ser profundas.
Ele manuseou as folhas que surgiam do bueiro. Logo as soltou e encostou os lábios no ante-braço direito.
O vento que balanceava seus cabelos também entoava uma canção de ninar. Acredito que era disso que ele precisava, que buscava ali (e talvez eu também buscasse, e você também vai buscando?!): pelúcia e canção de ninar. Bucolismo urbano.
-Ok, já deu. Ótimo, eu pude ver tudo.
A doce voz me trazia de volta ao nosso ofício.
Não pude me despedir dele, pois nem pude me apresentar. Seria demais interromper a sua fuga. E ele estava sendo a minha fuga. Porém, ao retornar, as raízes do bueiro foram a última coisa que eu vi.
Provavelmente, foram Elas, e só Elas que eu via o tempo todo.



Essa experiência surgiu de um jogo cênico proposto pela minha diretora/amiga/companheira de Filosofia e Introspecção, Hermínia Mendes, em um de nossos ensaios.
Ilustração de Dayse Ramos (ou Xiinhah, para os mais chegados).

Ah, se você tiver a vontade de comentar, responda-me uma coisa: qual o nome que sua sua alma apontou para Ele?
Até a próxima.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Bipolaridade

No quintal, sentado na corda-bamba do muro, num impulso de coragem imprudente eu encarava a altura. Aqueles metros debaixo de minhas solas seriam capazes de uma breve pintura psicodélica com meu sangue.
Por cima desses morros entediados de discriminação é fantástico ver o sol nascer no horizonte de Olinda. Na magia que só a madrugada oferece.
É a fantasia de estar dentro de si. Uma digna solidão sem ruídos. Até o ponto em que os felinos absorvem a atenção. E isso só se procede quando os meus cães ladram em demasia.
Os gatos fazem meu telhado de motel. Parecem atores-dançarinos. Levam-me a um espetáculo da Broadway. Eles executam um musical burlesco ao mesmo tempo em que seus passos parecem improvisos jazísticos e as ondulações de suas caldas assemelham-se à minha alma que experimenta um Blues no piano. A melancolia de uma nota só. Que é tão hermética quanto o meu consciente. Minha consciência hermética, prolixa, sensível, desvairada em devaneio suave e que não enlouquece.
(Existe algo dentro de mim que não cabe nesse corpo jovem).
E eu nem percebo mais os gatos. Não quero que alguém acorde e me veja nessa insanidade frequente. Isso é um segredo selado pelas horas.
Deito-me na cama que nem é minha e vejo os raios começando a colorir as telhas. Um monólogo que só eu vejo. Esse peito carregado do que não tenho palavras para descrever ou entender, entra em chamas com essas palavras soltas sem nexo, construídas em pedaços que sonham constituir um texto, um verso, um devaneio.
Escrever tem sido o esconderijo quase perdido. Você não vê que eu venho perdendo a expressão?! Essas expressões, essas misturas que lambem Arte, que me fazem arte, ator, Morte!
Escorrem sem fio condutor. Mas esse Rio formado em meus olhos dispensa o nexo.
É invisível a necessidade de querer me organizar. Não há uma organização em mim. O que existe são órgãos ao sabor do vento e esse Organismo frágil e firme.
Não tenho sede de Água. Nem sinto vontade de me nutrir. Quero digerir as horas. Trancafiá-las no meu armário de portas escancaradas. Preciso realizar essas imagens de felicidade que meu cérebro fabrica no banheiro.
Não nasci para andar de queijo caído por conta da imagem transviada por eles. Esses poucos, esses tantos que me pisam, que eu piso?!
Essa certeza de morte prematura é que me angustia. Já pode ser tarde para iniciar um tratamento, pois sinto gozo em desfrutar dessa melancolia ácida. E nem é preciso um diagnóstico para o que é claro no escuro. Mas é tão nítido quanto o meu amor em poder respirar. Amor.
Contudo, eu visualizo formigas e suas colônias em minha pele. Desde criança essa certeza óbvia se antecipa em meus latejos cranianos. Das veias até os cabelos. Do cóccix até o pescoço. Dos dedos até o cerebelo. Existem códigos. Enigmas de múltiplas faces de um único rapaz. Um rapaz que é um Homem guiado por seus sonhos e um Menino que requer acalento. O menino e o Homem estão gladiando nesse corpo filosófico. Nessa mente apolar, multipolar, certamente bipolar. Bi.
É o bi-bi-bi descompassado desse coração angustiado pelo que está imerso em cores neutras.
Uma onomatopeia distinta interrompe esse rascunho de vida. É o meu amado e ébrio pai que me ensina a abrir o cadeado do portão. Esse cotidiano cheio de portas.
Deve ser mais notório que eu tente dormir novamente. Ora durmo demais. Ora madrugo demais. E nesse jogo barroco não existe mais um planejamento.
Meus impulsos estão me guiando a tentar deixar ao menos uma marca relevante nas pessoas. É tempo de romper e principalmente recuperar laços.
Amanhã já acordarei Outro. Terei de destrinchar os mistérios e acalentar esse novo Outro. E ninguém perceberá, o que é bom.
Já que em mim o relevante beira o ser irrelevante. Mas, creio que serei uma memória que renderá boas coisas.
Na contra-dança dessa inconstância é pela solidão sem despautério que eu sigo em frente.