quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Dor.

De alguma forma eu queria manter esse episódio fora do alcance, trancado em minhas memórias, preso em minhas teias obscuras...Mas sei que ainda tenho muito a aprender com tal fato.
Aquela imagem do jovem no auge da vida em um caixão recriaram forças em minha mente nos últimos dias. Fazem três anos.
Na época, lembro-me bem, eu queria agir naturalmente, disfarçar o susto, o certo remoço e apontuada perplexidade.
O vale sombrio das lágrimas que escorrem de meus olhos relatam os momentos trancafiados em meu próprio buraco negro, e me levam a lamentar o não feito. Hoje me encontro a refletir as dores e as necessidades que ele tinha. Chego a conclusão que eu poderia, que nós poderiamos, preencher de luz as trevas em que ele declaradamente vivia.
Eu, filho mais novo, cresci criando distâncias com este irmão por parte de pai que tanto eu via, que tanto nos queria como verdadeiros irmãos, que tanto anseiava por nosso abraço fraterno, que tanto pedia a presença de um pai.
Contudo, em 6 de agosto de 2005, enquanto eu, minha mãe e meu irmão falávamos alegres acerca dos 9 meses de gestação de minha irmã, em uma casa no mesmo bairro, uma mãe e uma avó gritavam em tamanha dor a morte auto-premeditada.
Foi então que os murmúrios no bairro chegaram em nossa porta: o primeiro filho de nosso pai, nosso irmão, sangue de nosso sangue decidiu finalizar suas horas. Ele pôs lençóis em seu pescoço e se atirou de uma cadeira. Silenciamos o restante do dia. A pessoa que mais sentia, ironicamente, era minha mãe: mulher que não tinha elo biológico com aquela criatura, mas mantinha um laço afetivo com aquele enteado incompreendido por todos.
Tento repensar os porquês daquela barreira familiar, daquele abismo fraternal, mas não há mais o que fazer, o que pensar.
E como nunca pensei que conseguiria expôr uma breve reflexão acerca deste suicídio familiar, só me resta fazer uma humilde preçe...

"Fábio,
espero que encontres luz onde estiveres agora. Os limites do viver não nos permitem a comunicação. Mas, quero dizer-te que aguardo o dia em que todos poderemos nos encontrar do outro lado. Hoje compreendo um pouco teus aflitos, a vida é uma caixa enigmática. Embora que não tivemos uma construção de laços, você fez parte de minha vida, de nossa vida...E tua morte não foi algo em vão, mas um capítulo, que embora sombrio, faz com que, além do aperto no peito que sinto agora, eu amadureça infinitamente.
Bençãos em tua alma irmão meu que nunca me permiti ter...
Sinceramente e fraternalmente, Elilson."

5 comentários:

Tobias Farias disse...

Embora seja um depoimento,
não deixas de absurdamente arrancar
apláusos de minha alma.

Família, laço enigmáticamente perfeito.
Problemas, infelizmente existentes.

Não há comentários hoje sobre tal sentimento, que é Seu, e que foi
expreso de maneira tão iluminada.

Meus parabéns, incansávelmente.

Bárbara Lino ♥ disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bárbara Lino ♥ disse...

Primeiramente, queria dizer que seu texto ficou muito bom, uma maneira simples de bela de exprimir angústias.

Agora, o que se poderia levar alguém ao suicídio? São tantos supostos motivos. Depende muito da realidade da pessoa. Eu não sei o que levou seu irmão a fazer tal coisa. Mas ele sabia naquele momento e, com certeza, estava perturbado espiritualmente.

Acho que as coisas acontecem por que têm que acontecer. E de nada adianta que fiquemos vivendo tais momentos. Até que faz bem você lembrar e ver que daquilo tirou alguma lição, mas tudo com moderação. Não se deve mergulhar na tristeza, pois ela só faz bem sob medida. Tudo na vida tem um significado.

Pois em algum lugar eu vi essa frase “A dor é inevitável, já o sofrimento opcional”. Eu concordo plenamente com ela. Acredito que a dor, seja pelo que for, sempre será sentida, nunca esquecida. Você pode se refugiar, mas ela vai ter um cantinho em seu interior. Já o sofrimento, você decide por vivê-lo ou não. Se considerarmos que há coisas na vida que não podemos mudar, ele simplesmente ameniza, no primeiro momento, e depois já não é mais sentido.

Pensar no que deveria ter feito... Sabe, isso nos leva a querer fazer o que poderíamos ter feito e não fizemos. Isso vale quando nós apresentamos amadurecimento. Quando a partir de tais experiências começamos a fazer e não a pensar no que devesse fazer. Entende?

Então, acredito que tudo isso que eu falei você faça, você pense, e reflita. E se precisar, pode ter certeza que em mim acharás uma amiga. Um tanto sem experiências como esta sua, mas com a certeza de tentar te confortar.

Beijos, fica com Deus!!
Gosto muito de você!!

Unknown disse...

Primeiramente gostaria de felicitá-lo pelo texto que além de sincero está muito bem escrito e me desculpar pela ausência de comentários em outros posts. Apesar de ter lido uma parte considerável deles, confesso ser uma pessoa relapsa nesse aspecto. Voltando ao comentário do texto imagino que para você não deve ter sido muito fácil escrevê-lo, pois, expressar sentimentos verdadeiros, especialmente quando eles se encontram “guardados” por muito tempo é uma tarefa verdadeiramente árdua.

Há quem diga que a dor é a mais eficaz forma de aprendizado. E na maioria das vezes o é, pois, nas horas difíceis se torna muito mais fácil aproximar-se de uma realidade que não é a sua, e de compreender o “mundo” do outro. É bem verdade que seria muito melhor aprender de outras formas, entretanto há momentos na vida que apesar de extremamente desagradáveis são imprescindíveis para a estruturação da nossa essência como pessoa.

Mais uma vez parabéns pelo texto.
Beijos para você.

Toddy disse...

"Eu, filho mais novo, cresci criando distâncias com este irmão por parte de pai que tanto eu via, que tanto nos queria como verdadeiros irmãos, que tanto anseiava por nosso abraço fraterno, que tanto pedia a presença de um pai."

^^

Pq será que isso acontece? Pelo "Egóísmo" exacerbado que envolve o SER, ou até mesmo pelo sentimento de "posse" que criamos sobre os outros!