terça-feira, 23 de setembro de 2008

Equilíbrio Despossuído

As pressões populares querem me aprisionar numa caixa seguradamente trancada.
Sinto-me num tabuleiro de xadrez. Ora tenho a garbosidade de um rei. Ora transpareço a fortaleza exímia de uma torre, mas inesperadamente sou um solitário peão, aspirando respostas e exprimindo inquietações à deriva.
Minha mente tem retornado ao estado de transe. Às vezes só é dessa maneira confusa que consigo imaginar um equilíbrio.
E assim, na tarde passada, eu caminhei sem rumo nesta caótica cidade. Eu necessitava apreender algo inusitado, mas preciso. Queria poder enxergar, quem sabe, o sorriso de um vegetal ou ansiar afeto nos olhares ao redor. Mas, nessa cidade linda e cinza, as pessoas perdem cada vez mais a essência do cotidiano social: o olhar. As pessoas não se olham mais. Estão sempre com pressa buscando uma fuga sem limites, sem diretrizes e certamente sem certezas.
Talvez ainda, eu quisesse ter o meu trabalho físico calculado para assim as forças contrárias que atuam em meu corpo serem anuladas e reconstituídas sob uma luz específica e sensata.
O fato é que ao caminhar entre carros, animais, esbarros, propagandas políticas e seus sorrisos equivocados, eu cheguei ao Marco Zero da cidade. Ali eu me coloquei na margem. Sentei numa elevação do asfalto que ao ritmo feito pelos automóveis que transitam sem pausas naquela curva serena, me possibilitava uma visão privilegiada do nada.
Foram minutos válidos. Identifiquei-me com a ambigüidade dos mendigos, com os traços das pinturas e com o aroma da erva que estava perto de meus solados. Fechava e abria as minhas pálpebras calmamente. E despercebido por tudo me encontrava. Levantei levemente o meu pescoço e pude sentir a pintura que as aves faziam no céu escuro.
Tenho me colocado a pensar no dia em que tudo poderá explodir de vez. Vejo claramente que não terei um casulo remediador pra me abrigar, entretanto apenas será uma fase. Afinal, a vida é uma eterna escalada onde os degraus são feitos de mudanças, complexidade e nostalgia.
Ainda olhava ao firmamento quando a minha neutralidade foi quebrada por uma infeliz e insensata paródia musical de um certo candidato que poluía sem medidas os tantos cantos daquele Marco.
Assim, naquela tarde de sorriso quebrado, lembrei que Brecht* invade minha atuação e me faz professar que me encontro entre os despossuídos. Levantei-me de supetão e corri ao ponto aguardando que um novo amor numa poesia expressiva me recoloque dentre os seres de voz.

*Bertolt Brecht, teatrólogo e escritor alemão. Referência de sua poesia "Expulso por um Bom Motivo".

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Rotina Sertaneja

Naquela manhã dominical escaldante eles se reuniram na estação de ônibus. Já era habitual. Semanalmente alguns habitantes de Água Preta iam em busca da capital.
Anciões, adultos, crianças...todos eram retirantes. Eles largavam sua terra, suas histórias, seus amores, e nesta nostalgia complexa, as condições sócio-naturais os obrigavam a se arriscarem na busca esperançosa de um futuro mais digno e feliz.
De longe, sentado numa cadeira de couro, um nobre artista observava sensivelmente os sete retirantes daquele domingo. Uma velhinha sentada numa cadeira marrom, segurava um terço vermelho enquanto o suor escorria em sua testa. Três lavadeiras locais aguardavam angustiosamente o coletivo. Haviam também dois anciões. Um deles, de camisa azul listrada, apresentava uma expressão fleumática, fria. O outro, acompanhado de um cãozinho abatido, sorria ao sabor do vento.
Dias depois, longe dali em Caruaru, um certo Vitalino que minuciosamente observou com lamento a retirada naquele outro município, se pôs a lembrar os efêmeros minutos antes da chegada do coletivo, e retratou através de sua arte singular e espositivista o sofrimento daquelas vidas hoje perdidas entre prédios e "humanos".