quinta-feira, 23 de abril de 2009

O Sr Fernando e o Jovem dos Bótons Coloridos

Não lembro ao certo em que data ocorreu aquele encontro da vida. Sei que foi em alguma noite de Janeiro ou Fevereiro, numa sexta ou num sábado. O que importa mesmo destrinchar é como se deu essa curta memória.
Tinha deixado a Rua da Moeda e estava partindo para a Avenida Guararapes afim de panhar o meu busão e ir sorrindo pra casa. Andava rápido. Não se pode dar bobeira nas pontes do Recife Antigo de dia, que dirá pela noite. É lamentável, mas já se anda demasiadamente assustado num lugar tão belo como aquele. O fato é que um senhor viu aquela agonia e disse-me de supetão: essa hora, não é brinquedo não, né?! –É sim, não é mesmo! , respondi um tanto desconcertado.
-Atravessemos juntos, então, pois assim o perigo diminui. Respondi que sim com a cabeça. O velhinho (nem tão velho assim) com características tipicamente boêmias me perguntou até que ponto iria.
-Irei pegar ônibus com sentido para Água-Fria. Então, ele disse que pegaria praticamente em meu mesmo ponto. –Moro na Encruzilhada, disse ele. Depois, passado o término da ponte ele conversou sobre a movimentação do antigo. –Você bebe jovem?! –Digamos que sim, digamos que às vezes devo exagerar, mas é que o vinho já me dominou. –Já se que você deve beber desses baratinhos que fodem o fígado, estou certo?! –Sim, as coisas mais surradas às vezes são mais saborosas, respondi-lhe com um sorriso bobo. –Coisas da juventude. Tudo que é mais perigoso estimula mais. Foi então que o Senhor me fez um convite: ainda são 22h, não quero ir agora, você se incomodaria de dividir tal vinho comigo?!
Recusei de imediato. Aquele velhinho era meio estranho. Ficar perguntando coisas assim a um garoto que nem conhece e já o chamando pra tomar uma, boa coisa não deve ser. E se ele for um traficante de órgãos?! Vai me atrair pra sua gangue e já era uma vez minha vida. Eram pensamentos como esses que passavam rapidamente pela minha mente.
O velhinho insistiu, e percebi em seu olhar um pingo de solidão, uma inocência de quem quer só dividir uns leros. Não resisti e segui com ele, um tanto desconfiado e assustado.
- O que são esses negócios coloridos? –São bótons, respondi. Bótons de duas bandas de rock, Rolling Stones e Nirvana. –Os Stones são legais, mas sempre preferi Ramones e Sex Pistols, respondeu ele coçando levemente a cabeça.
Chegamos próximo ao Pátio de São Pedro. A rua estava movimentada, qualquer coisa poderia pedir socorro, pensava sorrindo bruscamente.
-Vem cá, qual o nome do senhor?! –Senhor ta lá em cima, e é Fernando. E o seu, rockerinho de prédio?! –Elilson, respondi um tanto tímido. –Eli, o quê?! Elilson! E moro em subúrbio mesmo, e numa casa, respondi com leve chateação em relação à piadinha que fez ao meu estilo.
Ele me partilhou suas memórias. Disse-me que era de Natal, mas que desde a juventude tem uma paixão enorme por Recife. Contou-me de seus filhos, de suas mulheres, de como o mundo era e está. Ouvia tudo calado, não partilhava informações sobre mim, apenas concordava ou não com as coisas que ele dizia e vez ou outra, sob um impulso maior jogava-lhe manias e planos. Parecia um avô ensinando um neto a como decifrar o desencadeamento do viver. Nunca tive esse contato com algum avô, esse tipo de interação. Batia em mim uma nostalgia de algo que estava preso, mas que nunca tinha sentido. Empolgado, o fiz perguntas sobre como era o seu comportamento na época da ditadura. –Aquilo era um tempo medíocre, sórdido, mas dava, com cautela, pra fazer tudo que vocês fazem. O que mudou foram os hábitos, as maneiras, os trejeitos, mas não existe nada de tão novo assim. Disse ele sem querer se prolongar no assunto. Percebi um semblante espaçado naquela alma jovem em matéria velha, mas ele logo retornou à normalidade. Ainda ousei em pergunta-lhe se já havia usado drogas. –Claro. Respondeu ele. E continuou: --Mas saiba de algo, jovem, se eu morresse hoje, estaria feliz. Sim, pois fiz tudo no tempo certo. Algumas coisas um tanto tortas, como experimentar drogas, mas é necessário ás vezes pra crescer, contudo fiz tudo no tempo certo. Eu vivi minha vida passo a passo. Vocês parecem querer hoje adiantar o tempo, fazem coisas desenfreadas, querem tomar como modelo pessoas doidas como tal de Amy House. Sim, às vezes é bom pular etapas, mas o melhor é se tornar livre de maneira sensata.
Atentamente, meus olhos liam aquelas informações. Rindo, contei-lhe que era fã da tal Amy, explicando-lhe seu nome correto: - é Winehouse, disse a ele.
-Uma porra dessas aí mesmo. Soltou-o. Depois da garrafa de vinho terminada, olhei à hora e me levantei. O Sr Fernando ainda queria prolongar, mas recusei. No caminho até a parada, ele, parecendo ler algo que havia dentro de mim, disse repentinamente que achava que todos devem ser felizes do jeito que são. Disse-me sorrindo que nascer já é algo difícil de entender, quanto mais querer viver de acordo com o que os outros pensam.
-Foi um prazer, disse ele. O respondi com um aperto de mão. Ele pediu que colocasse meu número em seu celular, pois não sabia usá-lo. Não sei por qual motivo, mas não coloquei o meu número. Tinha sido uma experiência única, e era ali que queria deixá-la, sem prolongamento, apenas um capítulo interessante, diferente na minha caminhada.
Assim, o jovem Sr entrou em seu ônibus. Esperei o meu por mais alguns minutos ainda um tanto perplexo com aquele episódio. “Que pessoa louca pára pra conversar desse jeito com um desconhecido?”, ficava pensando. Num mundo tão caótico e dominado pelo medo, a maioria das pessoas perdeu esse prazer, essa troca de vida com alguém que não se conhece. Parecia mais que aquele velho era um vizinho que tinha partido pra longe, um tio que voltou no tempo ou mesmo um amigo da pré-escola que esbarrara sem querer vindo rapidamente a me reconhecer. Ele me ensinou algo que vai além dessas palavras repetidas, em mais ou menos uma hora, aquele homem de barba feita e camisa verde com botões, de sapato branco e calça social, de olhar firme e pronúncias desvairadas me instigou vida!

Um comentário:

Tobias Farias disse...

Uáu !!
Muito bom guri!

São situações únicas,
e infelizmente raras nos dias de hoje.

Creio que soubesses aproveitar tal momento de loucura :D~

Cuidado hein.
:P

Luz"Paz"