domingo, 31 de maio de 2009

Páginas Soltas

O desencadeamento da vida é algo muito complexo. Nossa vida é feita sob uma linha histórica imprecisa e rápida. Traçamos vários caminhos, conhecemos inúmeras pessoas, e todos esses fatos ficam imersos nos becos da memória. Inesperadamente e habitualmente acabamos sempre por nos remeter a algo ou alguém que ressoa do fundo de nosso abismo particular, como um eco que vai ganhando projeção estrondosa. Quase sempre tais lembranças surgem em imagens espassadas, opacas, frias, onde entramos em luta com a própria consciência a fim de equacionar tempo e espaço em que ocorreram as situações. É basicamente montar um quebra-cabeças no escuro e surpreendemente obter sucesso depois de certo instante.
Tinha acabado de subir no coletivo, estava alegre, com um sorriso bobo estampado nos olhos. Foi quando avistei uma pessoa estimada que estava dormindo. Não resistindo e nem um pouco intimidado simplesmente a cutuquei. Ela logo substitui os olhos vermelhos de sono por uma formidável expressão de gentileza. Conversamos sobre nossas vidas, sobre meu afastamento integral da igreja, relembramos as peripécias dos tempos de coroinha, caindo vez ou outra na risada. Foi então que do nada surgiu em minha mente a imagem de Alice, uma menina sapeca, maliciosa e simpática que tive um leve contato por volta dos 12 anos de idade. O rosto dela foi paulatinamente sendo reestruturado em meus pensamentos, e cheguei até a relembrar conversas e brincadeiras. O fato é que fazia um tempo que não a via mais nem ouvia falar dela. Assim, perguntei-a sobre Alice. Ao realizar tal indagação, o seu olhar mudou completamente, seu semblante ficou desfalecido, mas firme. Então ela disse que Alice tinha falecido há meses, até um pouco surpresa pelo fato de não ter tomado nota do ocorrido. Fiquei perplexo. Alice, aquele ser com quem não tive amizade, uma garota que tinha a minha idade, mas de algum modo fez parte de um período curto da minha linha imprecisa havia quebrado o pescoço num desastre de moto.
O assunto findou por ser esse até a minha parada ter chegado. Pensei em como ela poderia estar aqui hoje, até imaginei um reencontro casual que pudera ter ocorrido. Também refleti em quem ela poderia ser no futuro. Será que pretendia casar? Ter filhos? Estudar, viajar?
Passado o choque, sentei na cama, escrevi singelas palavras e fui dormir para no dia seguinte festejar com amigos.

2 comentários:

Fernando" M.Neto disse...

É, nos vazios recôndidos de cada momento, experiências se encaixam, amadurecimentos austeros nos fazem perceber da nossa necessidade de vivenciar cada momento-espaço como quem deve fazer o melhor.

Porque nossa vida curta quer efemeridade e nos retribui como quem quer adiantado.

Bom texto, nos traz muitas reflexões...
Estarei, acá, outras vezes...

Eduarda Ramos disse...

encontro no busão heim.




gostei *-*