terça-feira, 3 de novembro de 2009

Bipolaridade

No quintal, sentado na corda-bamba do muro, num impulso de coragem imprudente eu encarava a altura. Aqueles metros debaixo de minhas solas seriam capazes de uma breve pintura psicodélica com meu sangue.
Por cima desses morros entediados de discriminação é fantástico ver o sol nascer no horizonte de Olinda. Na magia que só a madrugada oferece.
É a fantasia de estar dentro de si. Uma digna solidão sem ruídos. Até o ponto em que os felinos absorvem a atenção. E isso só se procede quando os meus cães ladram em demasia.
Os gatos fazem meu telhado de motel. Parecem atores-dançarinos. Levam-me a um espetáculo da Broadway. Eles executam um musical burlesco ao mesmo tempo em que seus passos parecem improvisos jazísticos e as ondulações de suas caldas assemelham-se à minha alma que experimenta um Blues no piano. A melancolia de uma nota só. Que é tão hermética quanto o meu consciente. Minha consciência hermética, prolixa, sensível, desvairada em devaneio suave e que não enlouquece.
(Existe algo dentro de mim que não cabe nesse corpo jovem).
E eu nem percebo mais os gatos. Não quero que alguém acorde e me veja nessa insanidade frequente. Isso é um segredo selado pelas horas.
Deito-me na cama que nem é minha e vejo os raios começando a colorir as telhas. Um monólogo que só eu vejo. Esse peito carregado do que não tenho palavras para descrever ou entender, entra em chamas com essas palavras soltas sem nexo, construídas em pedaços que sonham constituir um texto, um verso, um devaneio.
Escrever tem sido o esconderijo quase perdido. Você não vê que eu venho perdendo a expressão?! Essas expressões, essas misturas que lambem Arte, que me fazem arte, ator, Morte!
Escorrem sem fio condutor. Mas esse Rio formado em meus olhos dispensa o nexo.
É invisível a necessidade de querer me organizar. Não há uma organização em mim. O que existe são órgãos ao sabor do vento e esse Organismo frágil e firme.
Não tenho sede de Água. Nem sinto vontade de me nutrir. Quero digerir as horas. Trancafiá-las no meu armário de portas escancaradas. Preciso realizar essas imagens de felicidade que meu cérebro fabrica no banheiro.
Não nasci para andar de queijo caído por conta da imagem transviada por eles. Esses poucos, esses tantos que me pisam, que eu piso?!
Essa certeza de morte prematura é que me angustia. Já pode ser tarde para iniciar um tratamento, pois sinto gozo em desfrutar dessa melancolia ácida. E nem é preciso um diagnóstico para o que é claro no escuro. Mas é tão nítido quanto o meu amor em poder respirar. Amor.
Contudo, eu visualizo formigas e suas colônias em minha pele. Desde criança essa certeza óbvia se antecipa em meus latejos cranianos. Das veias até os cabelos. Do cóccix até o pescoço. Dos dedos até o cerebelo. Existem códigos. Enigmas de múltiplas faces de um único rapaz. Um rapaz que é um Homem guiado por seus sonhos e um Menino que requer acalento. O menino e o Homem estão gladiando nesse corpo filosófico. Nessa mente apolar, multipolar, certamente bipolar. Bi.
É o bi-bi-bi descompassado desse coração angustiado pelo que está imerso em cores neutras.
Uma onomatopeia distinta interrompe esse rascunho de vida. É o meu amado e ébrio pai que me ensina a abrir o cadeado do portão. Esse cotidiano cheio de portas.
Deve ser mais notório que eu tente dormir novamente. Ora durmo demais. Ora madrugo demais. E nesse jogo barroco não existe mais um planejamento.
Meus impulsos estão me guiando a tentar deixar ao menos uma marca relevante nas pessoas. É tempo de romper e principalmente recuperar laços.
Amanhã já acordarei Outro. Terei de destrinchar os mistérios e acalentar esse novo Outro. E ninguém perceberá, o que é bom.
Já que em mim o relevante beira o ser irrelevante. Mas, creio que serei uma memória que renderá boas coisas.
Na contra-dança dessa inconstância é pela solidão sem despautério que eu sigo em frente.

5 comentários:

Eduarda Ramos disse...

Elilson!
É indescutível a qualidade do texto(e de todos os outros). Parece que você foi se desenhando entrelinhas, uma após a outra, e de maneira até melancólica, mas sendo quem você é! seja na rua, no seu quarto, no seu banheiro, no seu mundo.

''Existe algo dentro de mim que não cabe nesse corpo jovem''
com certeza há. Pois você é muito mais do que uma corpo jovem, é uma mente tão sábia que nem faz ideia.

Parabéns,
Eduarda.

... disse...

nossa...
faço de minhas palavras a de duda.
Tua alma tão complexa, tuas palavras tao sinceras
parebens!!! (y

La(ize) disse...

"breve pintura psicodélica com meu sangue." O.O

"nesse corpo filosófico", e põe filosófico nisso!!

Texto muito muito bom.

Anônimo disse...

Interessante... Me identifiquei com as palavras!

\m|ò.ó|m/

Eduardo Alves disse...

Eu acho que vc se subestima e depois eu te digo o porquê.
Esse texto me interessou pq vi o quanto nos parecemos. Me sinto assim tbm. Desse mesmo jeito. Vendo a vida correr pelos dedos tento a compainha da solidão.
Como Eduarda disse, a qualidade é realmente notável em seus textos. Parabéns meu anjo.
Abraço