sexta-feira, 19 de março de 2010

Re-no-va-ção.

"Uma lembrança boa?!".
Era uma das oito indagações as quais me deparei ao conectar o meu formspring.me.
Com a rotina quase sempre melancólica que costumo levar é bem mais fácil lembrar das experiências difíceis, amargas, que me fizeram crescer, que tornaram-me mais apto ao ato de crescer. Crescer no corpo e bem mais na alma: auto-conhecimento a cada dia. Conhecer-se deve ser uma das coisas mais árduas que devemos passar. Provar nosso caráter, nossas atitudes em cada episódio, adaptar-nos aos nossos instintos, condições, às nossas diversas e distintas fomes e sedes. E isso nunca se esgota." A vida se renova a cada dia", foi o que ouvi de alguém na rua, hoje.
Pulei a pergunta, pois de primeira impressão achei que fosse levar mais tempo para recordar algo feliz, que satisfizesse aquela pergunta, que fosse suficiente a mim.
Até que voltei meus olhos novamente à questão e ela saltou da tela em letras ampliadas. Foi como um estalar à beira da vista, um sopro de luz no peito angustiado, um suave tapa no rosto.
Lembrei-me. Lembrei-me de algo maravilhoso, inefável. Um momento curto que deve ter mais relevância que vários outros instantes. De uma claridade e pureza que podem esmagar as memórias obscuras.
Era 8 de Dezembro de 2002. Estava completando onze anos de idade. Tinha voltado da igreja. Várias pessoas aguardavam-me no quintal para uma festa surpresa. Já tinha descoberto o plano deles, mas fingi não saber de nada o tempo todo, de modo que eles só descobrirão se lerem esse depoimento, solto, aqui, ao julgamento do mundo.
Meu corpo franzino atravessou dois cômodos e lá estava ela, minha avó. Numa cadeira de balanço, com uma sonda atravessada no nariz, sem poder andar ou falar, tinha sido liberada do hospital por alguns dias para que retornasse e lá continuasse seu martírio até o dia em que morresse, exatos 37 dias depois dali.
Olhei-a, cheguei perto, beijei sua testa. Ela esticou os braços, abraçou-me e com visível dificuldade chamou-me pelo apelido carinhoso que tinha me dado desde o início, desde os dias em que engatinhei. E enviou-me um sorriso, o sorriso mais belo da vida. E essa foi a última vez que de fato nos falamos. Pois, depois dali, ela e a doença mergulharam uma na outra, de vez.
São os detalhes que acabam por nos modificar. Um momento guardado em mim, tão vivo quanto meu corpo, renovou-me. Uma indagação cibernética e corriqueira, renovou-me, agora.
É incrível como a vida se renova por detalhes. É lamentável que quase sempre deixemos esses detalhes correrem pelos segundos, pelos dedos, pelas telas.
A imagem está há quase uma hora se repetindo sem cessar na minha mente. O peito continua angustiado, angustiado pelo tempo, pela incerteza, pela ebriedade das paixões, mas a alma vai descansar mais leve, surpreendentemente P U R A.


Maria Luiza Duarte, Mulher, brasileira de sangue e de alma, reflexo de muitas outras almas-mulheres-vidas-histórias desse país, cearense, retirante, sonhadora, analfabeta, sábia, órfã, vítima da Fome, mãe de 5 filhos, mãe solteira, mãe e pai, matriarca, avó, Minha Avó. Incrível renovação dos meus sentidos, importantes capítulos das minhas memórias, imagens claras na minha jornada, amor e força que me inspiram, marca que o amadurecimento me trouxe. Esperança de reencontro no além-vida.

3 comentários:

Natani Lima disse...

eu lembrei da minha melhor lembrança.
é tão linda quanto a sua.

Tay disse...

Às vezes, uma mínima coisa nos faz ver valores tão importantes... pequenos momentos que na hora podem parecer apenas momentos felizes, se eternizam pelo tempo, nos fazendo saudosos... :)

Anônimo disse...

QUE BOM GUARDAR ESTAS BOAS LEMBRANÇAS DA SUA AVÓ, PARABÉNS PELAS PALAVRAS DEDICADAS A ELA, E TAMBÉM PELO RESPEITO.