Tudo tá confuso? Tudo está prestes a explodir?
Fui eu quem viu a vespa morrer na florescente. Sozinhos meus olhos se fizeram estátuas. Suas asinhas descoloridas tocavam na luz, ela trucidava-se no calor.
E eu? Eu estava na parede ao canto, lembrando do amor efêmero, dos que se foram sem meu adeus, do dia em que ali naquele mesmo canto o álcool do perfume bateu nas minhas amígdalas secas, quando a velha e áspera faca mostrou meu reflexo agoniado.
O que me falta? -Nada! Gritaram os fantasmas da voz. São apenas os medos,angústias e aflições.
Escondo meu crânio em baixo do travesseiro e realizo minhas preces. Tenho confiança em Deus. O sorriso de minha pequena, os olhares de meus pais, as falas de meus irmãos e os ombros dos amigos com o colo de amor me trazem sossego.
Me sento e destrincho as minhas memórias. Das conversas com as plantas e vidraças nunca quebradas, das paixões de juventude à solitude no banheiro, da coreografia como anjo em pastoril aos aplausos e ignoradas nos remotos episódios gremistas, das torturas no escuro até a arrogância sentinela, dos vôos na lama, rua, alcova e nuvens à austera solidão, dos momentos rebeldes às alegrias das vitórias.
Foi então que lembrei do dia em que deixei a morte acontecer. Iria para aquele ônibus de todo jeito, mas só tomei ação quando já fora tardia: o cãozinho já estava esmagado. Tinha 11 anos, mas ele não teve nem 11 dias. Eu podia ao menos desligar a luz, fazer com que a vespa morresse sem calor. Mas, o que sente uma vespa? Faz questão do frio como eu? Sai de um casulo que nem as mariposas?
Há momentos que minhas veias e artérias batem tanto, meu coração lateja tanto, que parece que no "beat" seguinte vai parar. É igual a essas linhas, parece que vou morrer quando der o ponto final. Mas, quem morre é a vespa.
Quero viver. Não anseio pelo "Lago Michigan" e as pronúncias fúnebres de Brecht para com aquela pobre e singela puta. Desejo voar alto, perdoar, respeitar, vencer. Amar sem restrições algébricas, sem gramática perfeita, sem comprovação histórica. Apenas amar, mergulhar no alvorecer de meus sonhos, acender as lamparinas da esperança, afastar a escuridão e ser diferente do que tenho sido.
E assim seguir como vespas e cães vivos: saborear as cores múltiplas fora da norma padrão e contexto inerte, mas viver. Seguir em marcha firme com minha transparência e gana, com meus gostos e repugnâncias, sorrisos e lágrimas, vilões e heróis, dramáticos e cômicos, cronicas e argumentos, pois eu ainda tenho dezessete.
E eu já tenho dezessete.