domingo, 27 de dezembro de 2009

Menina de Ouro

Ana Laura é a filha mais elogiada da rua. É uma artista descoberta por poucos. É inteligente, sensível, autêntica e às vezes arrogante.
Rodeada de agitação, Ana Laura prefere mesmo o isolamento. Isolamento em meio público. De alguma maneira isso é atingível para ela. É uma jovem de atitudes contidas. Seu distúrbio é o gosto pelo perigo.
Nunca planeja, mas sempre que acontece é como um delírio cinematográfico. Ela assume uma personagem que não conhece, às vezes apresenta-a como Amanda. Amanda assume o lugar de Ana Laura quando esse furor interno toma conta das reações de seu cérebro e das ações de seu corpo. A entrada de Amanda em cena tem como clímax a busca pelo perigo.
Ocorreu pela primeira vez quando ela ainda tinha uns 14 anos. Estava sozinha na parada de ônibus, mas ainda era cedo. Um carro cor de vinho diminuiu a velocidade, o motorista baixou o vidro e secou a menina da cabeça aos pés. Era uma mulher atraente. A mulher deu partida e em poucos minutos estava lá de novo. Já estavam no ponto mais uns 3 pedestres, mas Ana Laura respirou nervosa, andou alguns passos e tremendo abriu a porta do carro.
Ela se apresentou como Amanda. A mulher, loira e aparentemente saudável, deu voltas pelas ruas da cidade, enquanto elas conversavam sobre suas vidas e se tocavam. Até o momento em que Ana Laura pediu para descer num impulso imediato. Nunca mais se reencontraram.
Ana Laura resistiu até completar 16 anos de idade, quando a ânsia pela sensação de perigo voltou. Retornou a frequentar o mesmo ponto de ônibus, como se na rua houvesse quatro paredes cercando ela, sua ânsia e o próximo automóvel desconhecido. Ela aceitou caronas de homens e mulheres. Mulheres foram apenas duas. Os homens se insinuavam com mais frequência. Ela não era como uma prostituta. Não buscava sexo ou dinheiro. Talvez ela fosse como uma prostituta psicológica. Aquela sensação de negligência com a própria vida, de objeto de crime e de ilegalidade lhe davam minutos de glória. Ela podia ser quem quisesse. Num dia tinha 19 anos, no outro era potiguar, estudante de publicidade, bailarina...
Não havia limites no seu perigo, exceto o cuidado que tinha em relação ao sexo, talvez por ainda ser virgem, como dizem. Era claro para Ana Laura o único interesse daquelas pessoas e ela deixava que lhe tocassem um pouco. Suas mãos raras vezes faziam o mesmo. Esse aspecto sexual era parte crucial da sua loucura secreta.
Semana passada eu a vi na mesma parada segurando um livro e destampando e tampando compulsivamente uma caneta estereográfica. Um homem parou o carro, seu ônibus vinha logo atrás e ela recusou a gentileza.
Agora, Ana Laura está na cozinha de sua casa, lendo poemas e deglutindo as sobras da ceia de Natal, pensando em sexo e querendo que ninguém imite sua loucura particular que há tempos não entra em cena.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Dias de Maioridade

Se cheguei até aqui, devo pois comemorar. Render-me ao samba que a vida propaga. Deixar o meu corpo cair de bamba no gingado do ar.
Anunciem aos cantos a minha passagem. Joguem luz na entrada desse ciclo. Celebro dias de maioridade, os primeiros. E se por um acaso subirem ao Morro, incluam os meus caminhos em suas preces à Conceição.
8 de Dezembro. Uma película que se projeta na frente dos meus olhos. Respiro alegria. Agradeço aos céus a oportunidade de confirmar a vida.
Agora estou adulto para o mundo, mesmo que o tenha sido sem nomeações por inúmeras vezes abaixo dos Dezoito. Sinto um frio no dorso ao pensar nos dias que virão ao mesmo tempo em que alcanço mais um digno passo na pirâmide de vidro que desenhei aos 7. Maioridade é mais um título que inventam. Mas, já que não tive uma oportunidade clara de apresentar-me como criança ou jovem, permita-me que me coloque como Adulto.
Prazer, sou um adulto que vive um mundo mágico no banheiro. Sou um adulto errante que andarilha introspectivo pelas ruas da cidade. Sou um adulto que vez ou outra se levanta na madrugada e vai dormir na cama dos pais. Sou um adulto que cultiva solenemente a nostalgia. Sou um adulto de alterações sentimentais, um adulto que talvez não cruzará com o aspecto linear, graças aos céus! Resumindo, sou um adulto que habita o território da melancolia, mas que ama viver, ama tagarelar e gargalhar no dia-a-dia. Se continuar essa apresentação, acabarei me limitando aos seus olhos e aos meus, pois há inúmeras coisas que ainda não sei sobre mim, mas o que conheço é sólido. Firme que nem minha personalidade.
À medida em que vou cruzando os degraus da pirâmide de vidro, minha pele vai ficando mais apta, vai adquirindo força. É nítido que os termos que irei adquirindo nem trarão tanta diferença. Nesses primeiros dias como Adulto, sou o mesmo jovem, o mesmo Menino. Não o mesmo, melhor dizendo, sou Renovado e assim continuarei.
Não vou separar os argumentos que estão nas minhas mãos espalmadas dos empecilhos nas solas dos pés. Não irei esquivar o doce labor que poderei sentir num passo, do amargo tédio que poderei encontrar no outro. Quero ter a graça de fazer da minha voz, do meu olhar, do meu corpo, da minha mente instrumentos de Luz, de Sensibilidade e de Arte. Necessito criar os meus compassos. Ser um agente pela Arte.
Há uma grande estrada a ser escrita, seja minha vida curta ou longa, vejo que a estrada é grande. Há incontáveis almas a serem lidas e reproduzidas.
Acolham-me, então, nessa nova fase do ciclo. Abram a roda, aumentem o volume da música e arriscarei alguns passos bambas nesse samba melódico, batucado pela vida.

Canto de Atores-Lavadeiras

Lava a Alma
Que a Alma é mais suja que a Carne.
Lava a Alma
E purifica alguma parte.